sábado, 13 de junho de 2015

Capítulo 5: Os Novos Velhos Tempos - Parte 1-

Horizontina, onze de abril de 2048.

As noticias sobre o retorno da eletricidade tomaram conta das conversas de todo mundo. As expectativas aumentaram quando o prefeito convidou o povo para estarem às seis da tarde na frente da prefeitura para um comunicado urgente.

Enquanto a maioria dos habitantes da cidade esperava pelo comunicado, o prefeito convocou todos que trabalham na prefeitura para realizar algumas tarefas que ninguém realizava a cidade. Os postes de luz foram enfeitados com fitas de varias cores, os globos brancos que cobriam o topo dos postes foram reparados e limpos. Pisca-piscas foram colocados na fachada da prefeitura e equipamento de som e vídeo foram instalados ao redor de um palco montado provisoriamente.

 Do hotel, mesas e cadeiras saiam e eram colocados na rua que separava a praça da prefeitura, alguns lanches eram preparados na cozinha supervisionada por JH. Tudo deveria estar perfeito. Eram cinco horas e o povo já havia começado a chegar. O padre Juarez foi o primeiro a chegar, com sua bíblia e um frasco com água benta começou a benzer o palco. No palco, além de um microfone, havia site cadeiras e uma mesa com um dispositivo com um botão.

As sete cadeiras estavam reservadas para o prefeito e os seus seis conselheiros. O conselho da cidade era formado pelo prefeito e para cidadãos que eram eleitos para o cargo todos os anos. Com missão de supervisionar as atividades dos trabalhadores da cidade e dos próprios conselheiros, o conselho servia também como tribunal para pequenas causas e para missões de confiança do prefeito.

Eram seis horas, todos os 146 habitantes de Horizontina estavam presentes na praça, sentados nas cadeiras disponíveis, nos arredores dos bancos da praça e alguns montados em seus cavalos. Uma delegação de Três de Maio e Doutor Mauricio Cardoso foram recebidos com honras pelo prefeito e foram acomodados em bancos localizados do lado do grande palco.

Nas duas primeiras fileiras de cadeiras, as pessoas mais velhas da cidade estavam sentadas, esperando o discurso entre uma rodada e outra de chimarrão. Atrás dos idosos, famílias estavam juntas depois de um longo dia de trabalho. Adolescentes estavam na praça sentados entre os bancos. Som de violão vinha desse grupo que animava e esquentava a alma das pessoas nesse começo de noite outonal

Algumas tochas iluminavam o palco e os arredores, a fogueira que tradicionalmente era montada em eventos especiais na praça ainda não havia sido acessa. O povo estava animado, alguns já imaginavam o que poderia ser dito nessa noite. Murmurinhos haviam se espalhado da prefeitura e atingido a comunidade que ficou animada com as fofocas. O padre Juarez que além se seus serviços espirituais era o cronista da cidade, uma figura de um guardião da sabedoria do povo. Ele estava sentando na terceira fileira de cadeiras esperando para anotar tudo o que fosse dito nessa noite.

O prefeito subiu no palco, todos se calaram. No centro da praça, longe das pessoas, a tradicional fogueira foi acessa por Beatriz. Próximo da fogueira, lanches eram protegidos por panos para evitar moscas. O prefeito tomou um gole de água e começou:

-Hoje é o dia meus amigos. Onze de abril de 2048 ficará na história de nossa comunidade. O dia que superaremos definitivamente o apocalipse!

Sua voz ecoava entre as caixas de som, sua voz no microfone mostrava confiança e segurança. Antes de conseguir prosseguir a fala, a multidão gritava e batia palmas insanamente.

Humberto levantou as mãos pedindo para que o povo ficasse quieto novamente. Quando todos ficaram silenciosos, o prefeito continuou:

- Temos não um, mas dois comunicados importantes para esta noite. Todos os que trabalham comigo na nossa prefeitura sabe o quanto eu pedi para que não espalhasse as novidades, pois queria comunicar a todos nessa noite, mas vejo que nem todos se seguraram (...). -

Risos se espalharam entre os conselheiros e a multidão.

-Bem sabiam os conselheiros da importância desses dois comunicados, e embora estes fossem confirmados somente no dia de hoje, acreditávamos que não poderíamos esperar-.

-Todos nós sobreviventes, que resistimos ao isolamento dos bunkers, as migrações de comunidades inteiras que fugiam das adversidades, estamos aqui vivos, para vislumbramos um novo amanhã! (...).  -

Enquanto continuava o discurso, sua voz ficou mais forte. Seus pulmões e sua garganta eram forçados conforme cada nova frase que Humberto dizia. O povo olhava para ele com sinal de aprovação e emoção. A lua brilhava nessa noite fria sem nuvens.

- O nosso futuro não só como a comunidade de Horizontina, mas como uma verdadeira nação. Todos nós perdemos alguém naqueles dias sombrios, de fome, de frio, de guerra, da morte!

- Hoje amigos, entramos em contado, com tropas do exercito do Estado (...). -

Começaram os murmúrios entre todos, alguns assustados e outros confusos. Até a delegação das duas cidades ficaram confusas e espantadas com tais notícias. Enquanto a conversas sumiam, o prefeito tossiu e continuou:

- Todos sabem como foi traumático o apocalipse. Foram momentos terríveis de dor e sofrimento, mas devemos nos lembrar de no fim de tudo que a nossa união e a nossa perseverança é que garantiu a nossa sobrevivência. -

- Na próxima semana, esse grupo que representa o governador Arthur Biancchinni, irá nos visitar em breve. Peço que todos os recebam bem, esses visitantes é o mais próximo de um governo de alcance estadual que temos. O Governo Provisório Gaúcho esta sediado em Piratini e tem em seus amigos quase metade do nosso antigo Estado. Brasília caiu, Porto Alegre também, MAS PIRATINI SOBREVIVEU!-

Enquanto mais uma rodada de palmas agitava o pessoal, o prefeito esperou todos se acalmarem. Quando tudo ficou silencioso, ele continuou:

- É HOJE! É O MOMENTO!

O povo estava em transe. Todos esperavam o próximo passo do prefeito. Tomando mais um pouco de água, Humberto apertou o botão que estava na mesa ao seu lado no palco.

Os fios que saiam desse botão percorriam o chão em direção da prefeitura. O som de alguns rangidos e estalos foi substituído pelas luzes que se acederam primeiramente por toda a prefeitura, percorreu pelos piscas-piscas que cobria a fachada da prefeitura. O povo estava assustado e entusiasmado. Os postes da praça acenderam, os prédios de dentro da cidade fortificada e alguns próximos da muralha estavam todos acessos. A igreja, o hotel, as residências e demais construções ficaram cobertas de luz e de sons que a muito tempo não se ouviam.

Antigos telões de led das antigas lojas quem funcionavam no centro, voltaram a funcionar. Marcas que não existiam mais, números de telefones que não existiam mais e foto de modelos que poderiam não estar mais vivos aparecem nos telões. As letras neon de um antigo bar acederam. “24 Horas” dizia.

Todos olhavam em todas as direções que surgiam pontos de luzes ou algum som diferente. Da sacada do segundo andar da prefeitura, Carlos comandava a ligação e o controle da luz de seu painel. Algumas pessoas das delegações e do conselho começaram a fotografar o momento. Gravar em imagens e sons essa ocasião para a posterioridade.

O momento quando tudo acendeu seria descrito pelo padre Juarez nas suas anotações como “Um momento de alegria inconcebível para quem não estava presente. Os olhos lacrimejantes e saudosos dos velhos tempos que vinham dos adultos e o olhar de curiosidade e espanto das crianças e dos jovens que nunca viram ou pouco viram a luz, é uma memória que me sinto obrigado a admirar e me emocionar.”.

-Uma salva de palmas pessoal para todos nós. Em especial para o Carlos, Guilherme, Letícia e Dionísio que repararam todas as fiações, mexeram em cada painel de controle, e garantiram o funcionamento de tudo para hoje!- Os conselheiros se cumprimentaram e desceram o palco para saudar o grupo.

Entre muitas palmas e gritos, alguns montados a cavalo deram alguns tiros para cima em sinal de comemoração. Todos estavam animados e emocionados com tudo e todos. Carlos cumprimentava o pessoal de longe, enquanto acionava um botão do painel e duas levas de fogos de artifício subiam o ar com seu barulho e terminando numa bela explosão de cores e formas.

- CONVIDO TODO A COMPARECER PERTO DA FOGUEIRA PARA CELEBRARMOS!-

Do telão que havia sido instalado perto do palco, imagens começaram a aparecer, enquanto da caixa de som, uma agradável musica instrumental tocava. As imagens eram das pessoas da comunidade em seus postos de trabalho, de crianças brincando nas ruas, das celebrações que já haviam sido celebradas anteriormente, paisagens locais e fotos de antigos moradores e da cidade de antes de tudo o que aconteceu.

Alguns dançavam lentamente a musica, outros admiravam espantados por todo aquele clarão de luzes que se espalharam por todos os lugares. Próximo da mesas com a comida, todos se cumprimentavam e se abravam.


Uma linda homenagem para um recomeço.

(Capítulo 5: Os Novos Velhos Tempos - Parte 2-)


segunda-feira, 8 de junho de 2015

Capítulo 4: Horizontina - Parte 4-

Horizontina, onze de abril de 2048.

Fernando acordara antes de Paloma e resolveu comer alguma coisa antes de seguir para a prefeitura. As costelas ainda doíam, mas agora a dor havia se tornando suportável.

Como de costume vestiu-se preparado para mais um dia burocrático na prefeitura. Pedidos para pegar uma arma no arsenal, um cavalo para realizar uma viagem ou aumento da ração alimentar, eram os pedidos mais comuns. Embora ninguém passasse fome era costume do prefeito controlar a maior parte dos bens alimentícios produzidos.

Antes de sair de casa pegou sua boina preta e um sobretudo preto. Um dia e tanto o esperava.
Os portões haviam acabado de serem abertos. Pessoas saiam para mais um dia de trabalho nos campos próximos. Fernando conhecia praticamente todas as pessoas que moravam em Horizontina.  Algumas pessoas o cumprimentaram enquanto seguiam o seu rumo. A prefeitura estava a poucos metros.


Parou um pouco antes chegar à prefeitura e olhou em todas as regiões. O sol timidamente aparecia entre as brechas das nuvens. Sons de latidos, conversas chegavam a abafar o som do vento que estava surpreendentemente fraco hoje. De longe avistava duas pessoas terminando de ajustar as três turbinas eólicas. Se tudo desse certo, essas três turbinas juntamente com mais alguns painéis solares instalados pela cidade, conseguiriam gerar energia para todos.

Foto antiga da Prefeitura Municipal de Horizontina
                                       Foto antiga da Prefeitura Municipal de Horizontina


A prefeitura era uma das construções mais preservadas da cidade. Era uma grande estrutura de dois andares, com diversas salas, onde as decisões da cidade eram tomadas. Na frente da entrada principal da prefeitura, algumas pessoas esperavam para serem atendidas.

Entrando pela porta principal, percebeu um clima diferente do normal. A agitação dentro da prefeitura era incomum. As pessoas que trabalhavam na administração da cidade estavam andando de um lado para outro, alguns não escondiam um semblante de felicidade.

-Fernando!- 

Disse alegremente uma voz atrás dele. Era sua irmã. Beatriz tinha indo visitar seu irmão nos dias que ele ficou de repouso, comunicando tudo o que tinha acontecido de diferente na cidade. Mas esse movimento, essa felicidade não era comum. Algo tinha acontecido.

-O que está acontecendo aqui?- Perguntou Fernando.

-Simplesmente tudo! Não vou te contar nada agora, o prefeito quer ter ver. -

Fernando simplesmente respirou fundo intrigado com tantas coisas acontecendo em pouco. Essagitão toda, essa felicidade não era comum nesses tempos.
Enquanto Fernando subia penosamente os degraus da escada, parou no meio do caminho e olhou novamente para baixo. Beatriz continuava olhando para ele, com um grande sorriso. Embora ela estando vestida com seu uniforme, seu rosto esboçava em certo ponto uma alegria juvenil, algo que não via há tempos.

O penúltimo degrau da escada rangeu. Embora a prefeitura parece-se sólida por fora, sua estrutura dentro necessitava de muitas reformas. Subindo a escadaria e parou novamente para respirar. Suas costelas martelavam conforme ele respirava, tirando a boina para passar a mão pela testa para limpar o suor, visualizou mais agitação no segundo andar. Numa sala entreaberta Fernando visualizou Carlos mexendo no radio. Não era uma manutenção de rotina. Ele conseguira contanto com alguém. A sala era um mar fios, microfones e aparelhos de rádios conectados em varias estações de banda e frequência. Tudo parecia lentamente se encaixar, mas a pergunta que ficara era: Com quem?

-Com quem teriam tido contato? Alguma base militar? O Governo?-. Eram tantas perguntas que vinham ao mesmo, que qualquer cogitação era válida. 

Carlos estava com um fone de ouvido e em suas mãos um caderno onde fazia anotações, provavelmente informações repassadas por quem estava do outro lado. Fernando ficou intrigado e entusiasmado com as possibilidades, mas antes que pudesse perguntar algo para Carlos, uma voz chamou pelo seu nome. Era o prefeito lhe chamando.

Fernando entrou onde ficava o gabinete do prefeito.

-Estou aqui prefeito!- Disse Fernando enquanto fechava a porta.

-Você sabe que pode chamar só de Humberto. Como anda essas costas?- 

- Não foi dessa vez que acabam comigo chefe.-

Humberto cumprimentou Fernando com um aperto de mão. 

–Temos muitas coisas para resolver em pouco tempo. –

Enquanto o prefeito servia dois copos com um pouco de uísque, ele dizia:

-Como de costume, Carlos ligou o radio para ver se havia algo de novo na nossa região. Havia um sinal interferindo nossa comunicação com Três de Maio. Mexendo um pouco, Carlos conseguiu entrar em contato com esse sinal.-

Humberto tomou mais um gole de seu uísque. Colocando o copo na sua escrivaninha, continuou:

-Conseguimos contato com um pequeno regimento de cavalaria estacionado próximo a Carazinho. Estão sob ordens do Governo Provisório Rio-Grandense com sede em Piratini. Eles estão vindo para cá!-

-Isto é maravilhoso! Entendo agora toda essa animação... - Toda a agitação voltou em sua mente. O mundo parecia mais vivo do que nunca agora. -Se parte do exercito e do governo sobreviveram na região quem dirá no resto do Brasil e no mundo?-

Fernando e Humberto brindaram em silencio, enquanto Fernando tomava um gole, Humberto colocava sobre a mesa um velho mapa rodoviário do Rio Grande do Sul e marcou com dois alfinetes a cidade de Horizontina e Carazinho.

-Eles irão chegar entre uma ou duas semanas. O importante agora é a continuidade da nossa história, como povo e nação. Esses dez anos nos destruiu, mas das cinzas.... das cinzas.... um novo povo, ainda mais forte vai surgir.  

Enquanto apontava para a localização de Carazinho no mapa, o prefeito continuou. 

- O Governo está mapeando localidades e a população para melhor reconstruir e administrar o Estado.-

-Já comuniquei o seu pai para que ele organize o hotel pare recebermos nossos visitantes ilustres. Recomendo que você termine de organizar o seu escritório e os arquivos com os dados da cidade. -

Enquanto Fernando saia da sala do prefeito, todas as luzes da prefeitura ligaram. Palmas e gritos de felicidade se espalharam pelo local. Hoje era o começo de um novo dia para a cidade. Os velhos tempos voltaram de certa forma na mente de Fernando.

(Capítulo 5: Os Novos Velhos Tempos - Parte 1-)