terça-feira, 3 de maio de 2016

Capítulo 8: Relações de poder - Parte 2-

Quando as coisas viraram um inferno, Piratini era uma típica pequena cidade do interior gaúcho. Seus quase 250 anos de história não refletiam o cenário encontrado pelos refugiados que chegaram em grande parte com a comitiva que trazia o governador. Um cronista que acompanhou a viagem desde as primeiras horas após a destruição de Porto Alegre até Piratini comparou o evento da fuga até a chegada em terras com promessa de um novo começo com a chegada da Família Real ao Brasil em 1808.

Tirando esse exagero que alguns julgaram o cronista, Piratini sempre teve ares de importância história para os gaúchos. Ali fora a grande capital dos rebeldes da Revolução Farroupilha, foi também palco de eventos trágico como o surto de uma variante da gripe que dizimou 15% da população local em 2024 e que levou a cidade ao quase desaparecimento depois disso. Dos vinte mil moradores que a cidade possuía na primeira década dos anos 2000, em 2038, menos de quatro mil moradores viviam lá.

No primeiro dia após o ocorrido, a população local descobrira que o prefeito da cidade havia fugido com sua família em direção ao sul do Estado. A situação só não virou anárquica pela chegada de um batalhão do exército que se encontrava fora de Santa Maria que chegou dois dias depois e colocou as coisas em funcionamento esperando a chegada da maior parte da comitiva que saiu das ruínas de Porto Alegre.

Os moradores locais ficaram curiosos, quando começaram a chegar políticos, cientistas, membros da alta sociedade gaúcha e habilidosos profissionais das mais diversas áreas com suas famílias. Parecia milagre como o padre local descrevera quando as antigas casas em abandono de seus antigos donos foram preenchidas com pessoas ocupadas dos mais diversos ofícios, quando o antigo hospital começara a ser expandido e uma série de comércios e negócios surgiu da noite para o dia nas antigas ruas históricas de Piratini.

Quando o então governador chegou, a população local aplaudia e festejava não somente a sua chegada, mas sim um recomeço feliz no meio da tragédia. A bandeira do Brasil e do Rio Grande do Sul subiam enquanto os hinos foram tocados. A missa que era sempre realizada na Igreja Matriz foi realizada em frente ao antigo Palácio do Governo Farroupilha que fora escolhido para abrigar novamente a sede do governo estadual e futuramente da República Piratini.

Os jornais locais e a população que vibraram com a revitalização e as novas obras que surgiram da noite para o dia em Piratini, perceberam que não seria tão doce e suave essa nova realidade. Nas principais ruas, a população fora despejadas de suas casas e realocadas em outras que estavam abandonadas há anos. Algumas construções tiveram de ser demolidas para ampliações de outras, como ocorreu com a expansão do Palácio Farroupilha, que gerou protestos aos atingidos.

Mas tudo isso era necessário para o melhor funcionamento e expansão da qualidade de vida de todos os moradores da cidade, diziam as autoridades sempre falando pelo governador que depois das primeiras semanas era pouco visto, abatido e em estado de choque depois de toda a jornada até aqui e das mudanças que em poucas semanas ocorrera em sua vida. Muitos criticavam sua omissão, mas depois de alguns dias de repouso e tratamento voltou a ser visto muitas vezes ajudando nas obras da cidade ou em visita ao asilo, na escola ou no hospital que funcionavam parcialmente.

“Sempre em frente, leal e valorosa Piratini”, era o novo lema da cidade que atraiu logo após os primeiros meses um sem número de pessoas que buscavam tranquilidade, segurança e uma nova chance de sobreviver nesses tempos caóticos. Com os serviços básicos acima da capacidade, algumas medidas autoritárias foram sendo executadas. As ruas mais distantes do centro tiveram o fornecimento de energia elétrica e água cortados para manter o centro em funcionamento, cercas e muros foram erguidos criando divisões entre os bairros dentro da cidade e outras dela, criando uma limitação de novas construções num raio de 3 km da cidade.

Nesses dez anos de Piratini como capital, a cidade experimentava um som multicultura que crescera fora de seus limites originais e dos muros de segurança da cidade principal. Ao redor da cidade, depois das cercas de segurança que rodeavam a área da cidade, quatro povoações surgiram criando uma dinâmica diferente da vida agitada com seus problemas políticos e burocráticos que uma capital tinha. Ao todo em 2048, 9.562 pessoas habitam a área que seria a capital Piratini e seus distritos urbanos. Contanto os quatro povoados e alguns grupos agrícolas que viviam no máximo a 10 km da cidade, a população total era de 21.350 moradores.

Piratini cresceu e pode legitimar sua hegemonia no cenário do Rio Grande do Sul pós-apocalipse. As maiorias das cidades mais próximas acabaram por reconhecer os domínios de Piratini sem resistência e estas receberam o contingente populacional excedente da capital sem maiores problemas, e com estes investimentos e forças de defesa, acabaram por quase zerar o banditismo de grupos errantes na região.

Mas nem tudo foi calmo nessa luta por hegemonia de Piratini. Nesses dez anos, algumas cidades foram submetidas pela força, outras ainda resistem as tentativas, como a Cidade Livre de Santo Ângelo, o Reino de Vacaria e a República do Alegrete. A Cidade Livre de Santo Ângelo é um caso especial dentro dessas áreas ainda resistentes ao avanço de Piratini, mesmo com a destruição de Ijuí, Santa Rosa e São Borja, ela pode crescer e espalhar sua influência local dominando áreas que Piratini também considera suas.

Enquanto as rebeldes cidades ainda tentam sobreviver ao inevitável avanço de Piratini, a Capital trabalha em solução de outros problemas. Os problemas elétricos foram eliminados em toda a região próxima da Capital com a construção de painéis solares e da energia eólica. Ruas dentro de Piratini e as estradas que dão acesso a cidade foram recuperadas, os campos voltaram a produzir alimentos necessários a população e o racionamento de carne é agora lembrança do passado.


Piratini prospera trazendo pessoas de todo o Rio Grande do Sul e até de grupos oriundos das fronteiras do Uruguai e da Argentina, procurando paz e estabilidade. A OIPNOM também enviou alguns olheiros oriundos da sua base nos subsolos da antiga Porto Alegre, para vigiar, coletar dados e informações. Alguns boatos sugerem que algo grande irá acontecer na nova Capital, mas até lá as luzes de Piratini não serão apagadas.