sábado, 30 de maio de 2015

Capítulo 4: Horizontina - Parte 3-

Horizontina, oito de abril de 2048

-Você vai subir ou não?-, atrás do senhor que reclamava outros faziam a típica cara de frustração e tédio por mais um dia de trabalho onde pegar o ônibus não significava o fim do árduo dia de trabalho.

Fernando desiste do ônibus. Meio confuso sai da parada de ônibus e olha em volta, a correria dos estudantes e trabalhadores da universidade que saiam do campus depois de mais um dia cheio de compromissos.

Parecia que tinha voltado para a sua antiga universidade nos seus tempos de juventude. Andando pelo campus encontrou pessoas familiares, colegas de curso, colegas da pensão onde viveu durante o período da universidade, professores e demais funcionários da universidade.

Estava na ponte enquanto andava em direção ao seu antigo prédio, quando um grito distante interrompeu o barulho de carros e conversas. Ao longe um cogumelo atômico surgia no horizonte, colorindo o céu com cores da morte. Nesse momento o sol é ofuscado pelo brilho da bomba.
Fernando atravessa o resto da ponte seca e sai correndo buscando algum lugar para se proteger. Enquanto ele procurava um lugar, todos que estavam em sua volta, simplesmente pararam de andar e conversar, haviam se entregado para a morte.

Fechando os olhos, respirou fundo e contou até três. Abriu seus olhos e viu as pessoas ao seu redor derretendo, por consequência do calor da bomba, Fernando não quis se olhar e fechou os olhos de novo.

Quando abriu os olhos, o dia tinha sido substituído por um tempo sombrio. Focos de incêndio por todos os lados cobriam o céu de fumaça, e o ar carregado não indicava nada de bom. A ponte seca que unia os dois lados do campus, encontrava-se em ruínas, entre pedaços de concreto, carros e ônibus estavam queimados.

O prédio da reitoria da UFSM estava ardendo em chamas. As arvores que cobriam enormes extensões do campus, estavam mortas, corpos de animais e pessoas estavam espalhados por todas as direções. Um barulho atrás de Fernando chama sua atenção. O prédio do Hospital Universitário entra em colapso, uma nuvem de detritos cobre grande parte do campus.

Enquanto Fernando tenta fugir da fumaça e da poeira, tropeça num corpo e cai. Ao longe, uma pessoa se aproxima coberta por uma roupa militar especial, que cobria todo seu corpo. Enquanto tenta se levantar, o soldado carrega a arma, aponta para Fernando e diz: - Mais sorte na próxima...-
Antes de levar o tiro, Fernando acorda assutado.

Porto Alegre, oito de abril de 2048

-Estamos percebendo atividades próximas ao limite do campo, Senhor. O sensor detectou duas assinaturas de calor. -

-Temos imagens, soldado?-

-Estou ativando as câmeras, Senhor. -

-Câmeras 1, 2, 4 e 7 têm imagens dos objetos, Senhor. –

As telas de controle que cobriam toda uma parede mostravam duas pessoas. Um adulto e uma criança que andavam de mãos dadas. Provavelmente eram pai e filho, os dois vestiam trajes surrados pelo tempo.

-Depois de tanto tempo, acreditava que ninguém mais vivia na superfície de Porto Alegre.... - Disse o soldado enquanto o olhava para as imagens do exterior. Depois de anos entediantes, era a primeira vez que pessoas, não ligadas ao grupo sulista da OIPNOM foram detectadas.

Depois de dez anos, a região central de Porto Alegre, era um ponto quase que inacessível. Os escombros localizados acima do complexo do bunker eram o que um dia já havia sido a antiga Escola de Engenharia da UFRGS. Do prédio, apenas a antiga fachada de estilo renascentista havia sobrevivido, toda a estrutura havia entrado em colapso devido aos incêndios que destruíram a capital gaúcha a pouco mais de dez anos. A Praça Argentina que fica localizada a frente da antiga escola, agora era um cemitério composto de arvores a muito tempo mortas, carros e entulhos.

Pai e filho estavam bem às frentes da fachada da escola, passando cautelosamente entre inúmeros detritos espalhados por toda a direção.

-Eles chegaram ao limite, Senhor. – Disse o soldado.

-Pois bem, ative o drone e execute-os.- Disse o líder de operações.

Ativando o drone ao toque de um botão, o drone localizou os dois alvos e os eliminou num intervalo menor de 10 segundos. Os dois corpos jaziam imóveis no chão, enquanto o drone sumia das imagens das câmeras.


- Envie um comunicado ao Tenente Gertz, solicitando novas instruções, soldado. A base não esta mais isolada. - 

-> Capítulo 4: Horizontina - Parte 4- )

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Capítulo 4: Horizontina -Parte 2-

Horizontina, oito de abril de 2048.

-Você dormiu por quase três dias querido... -Disse uma voz em sotaque portunhol.

A voz vinha a poucos metros de onde Fernando estava deitado. Conforme seus olhos abriram e se acostumavam com a claridade vinda de diversas velas espalhadas pelo cômodo ele via uma mulher, mas não era uma mulher qualquer. Era Paloma. Paloma era uma argentina que no terceiro ano depois do apocalipse fugira com dezenas de outros pelo rio Uruguai para o Brasil.

Naquele momento a região onde Paloma morava com a família, vivia uma seca terrível e para tentar sobreviver, cruzaram o rio onde em muitos pontos naqueles dias enormes trechos eram transitáveis caminhando. Em vários pontos da fronteira, houve pequenas escaramuças entre brasileiros e argentinos. Paloma acabou de perdendo do grupo e parou em Horizontina quase morta de desidratação. Fora acolhida por João Henrique e logo um romance entre ela e Fernando surgira.

Paloma vestia uma camisola no qual ela usava para dormir. Seus cabelo e olhos castanhos eram o que mais atraiam Fernando. Da janela ela observava a chuva que calmamente caia na cidade. Inúmeros baldes e panelas eram visíveis nas ruas e sacadas para guardar água.

Fernando tentou se levantar da cama, mas ao tentar apoiar uma mão uma dor vinda das costelas o fez afundar na cama novamente. Olhou para seu corpo, usava apenas uma calça de abrigo, em vez de camiseta em seu dorso uma faixa apertada de gaze fazia voltas em seu corpo.

Um espelho que ficava preso na parede ao lado da cama refletia o seu corpo. Seu rosto com barba disfarçava parte de uma grande cicatriz que começava perto de sua orelha esquerda e descia até o queixo. Algumas marcas roxas ainda apareciam no seu rosto e braços.

Paloma deu um suave beijo na boca de Fernando e saiu pela porta do quarto. Ela disse algo de ir à cocina trazer uma sopa para ele, mas ele não prestou atenção na fala dela e sim nas suas dores. Deve ter quebrado algumas costelas sim, mas o que importava é que estava em casa, olhando em direção da porta aberta do quarto, o cheiro de sopa invadia ao ambiente. E do lado da porta, num prego estava pendurado o seu relógio de bolso.

Tudo continuava em pé. Sua amada estava ao seu lado, seu pai e sua irmã estavam bem de saúde. Logo que pudesse sair de casa ia voltar à prefeitura, onde trabalhava como um faz tudo para o prefeito Humberto Souza. –Devo ter muito papel para organizar e catalogar para o prefeito...-, enquanto pensava em tudo que tinha que fazer, suas costelas doeram novamente.

Humberto Souza era nos dias que antecederam o apocalipse, um dos vereadores da cidade, além de formado em engenharia civil. Ele embora no cargo de prefeito há muitos anos, ninguém reclama de sua liderança. Ele planejou os muros da cidade numa época de caos e barbárie generalizada, era em suma o herói da cidade.

Ele fora aclamado pela população num momento, onde a cidade havia sido parcialmente saqueada por um grupo de desertores militares, que levaram grande parte das reservas alimentícias e combustível. Depois da construção da muralha e do fim do grande inverno que ceifou muitas vidas, a cidade precisava de uma continuidade administrativa.

Fernando se ajeitou um pouco na cama. O cheiro da sopa havia invadido de vez o ambiente. Quase três dias sem comer. Fazia anos que havia ficando tantos dias sem comer, fora no ano do grande inverno, onde a comida ficou escassa. Fernando não gostava de lembrar-se desses dias.

Fernando tomou duas tigelas de sopa, e antes que Paloma retornasse ao quarto para conversar, ele havia caído no sono.

-> Capítulo 4: Horizontina - Parte 3- )

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Capítulo 4: Horizontina - Parte 1-


A cidade de Horizontina tinha uma população de um pouco menos de cento e cinquenta pessoas, um número populacional até que expressivo para esses tempos. Em seus tempos de glória tinha atingindo um pouco mais de vinte e cinco mil habitantes. Em busca de viver numa comunidade em segurança, diante dos inúmeros distúrbios, ataques e emboscadas, os moradores sobreviventes haviam cercado o centro da cidade.

As quadras que cercavam a prefeitura e a praça central da cidade foram protegidas com a construção de uma muralha improvisada, feita com materiais que havia estocado em lojas de construção e das casas próximas que foram demolidas. Nesse processo de reorganização da comunidade, as proximidades foram limpas para permitir que pudesse ser visto qualquer aproximação de pessoas a distancia e também para permitir uma futura produção agrícola mais próxima da cidade.

Horizontina ficava próxima de duas comunidades que eram baseadas nas vizinhas Três de Maio e Doutor Maurício Cardoso. Havia calmaria entre as três, e um comércio local era feito entre elas. Três de Maio era a maior comunidade das três, tinha mais de duzentos habitantes, e era uma cidade que herdara muitas indústrias de produção de alimentos e de vestuário, algumas voltaram a funcionar graças à energia eólica em pequena escala.

Doutor Maurício Cardoso era uma pequena comunidade com cinquenta e sete pessoas que se dedicavam ao comércio dentro do rio Uruguai entre o lado brasileiro e argentino além da pesca. A cidade servia também como um ponto de observação entre as duas fronteiras, pois servia de alerta no caso de alguma circulação ou invasão de argentinos fugindo das suas terras.


Horizontina não era uma cidade de pequenos agricultores como a sua vizinha da barranca do rio Uruguai, mas também não era industrializada como Três de Maio. A única grande indústria era uma que nos velhos tempos produzia tratores e colheitadeiras. O ponto chave da sobrevivência da população da cidade fora a agricultura hidropônica que era praticada em larga escala pelos agricultores e alguns moradores da cidade. Como todo o estado do Rio Grande do Sul sendo rico em águas subterrâneas, a pratica da agricultura foi normalizada após o primeiro ano.  




Horizontina, cinco de abril de 2048.

Desde os tempos que salvara o seu pai nos primeiros dias após o começo de todo o caos, ela sentiu uma força interior que estava presa dentro dela. Desde aquele dia seu pai viu um potencial na filha que sempre fora ignorado por ele e pelo restante da família.

Beatriz aprendeu a manejar armas, sua mira era perfeita. Quando as coisas começaram se restabelecer no centro da cidade, ela por iniciativa própria refundou a delegacia de polícia. No começo a delegacia de polícia funcionava com mais quatro policiais, sendo todas elas mulheres. As mulheres desempenharam um fundamental para a sobrevivência da cidade em longo prazo.

Beatriz parecia que dormia sempre de uniforme. Independentemente da hora que fosse chamada, ela estaria pronta para o que der e vier. Esse cinco de abril foi um dia muito calmo na cidade, todos os policiais foram dispensados por ela. Poderia hoje logo após de ajudar na construção de uma turbina eólica relaxar em casa, no silencio de seu lar com alguns livros e uma boa xícara de chá.

Depois de erguerem a terceira turbina eólica, Beatriz seguiu para o almoço com seu pai na hospedaria da cidade. Desde que João Henrique fora salvo por sua filha, ele acreditou numa antiga frase que sempre ouvia, mulher é o sexo forte sim!. Com o falecimento de Amélia, JH decidiu reabrir o antigo hotel que ficava no centro da cidade para manter sua mente ocupada e ficar sabendo de histórias de viajantes sobre suas aventuras.

A carne era racionada na cidade. Embora a cidade tenha um bom número de bois e vacas nos estábulos, eles ainda serviam muito mais vivos do que num prato. O transporte de mercadorias e de materiais diversos era feito em grande parte por eles. O leite era o único alimento produzido pelas vacas que era amplamente distribuído entre a população local.

Enquanto Beatriz mastigava com paciência um diminuto pedaço de peixe, seu pai a observava. Não com um olhar de autoridade paternal, mas sim orgulhoso.

-Acredito que Fernando volte hoje de sua aventura. Espero que ele volte com o que procura a mais de cinco anos....-

Enquanto João Henrique voltava seus olhos para o seu prato ainda cheio de salada, Beatriz olhava para suas mãos. Nos raros momentos de folga, ela sentia falta do seu trabalho, sabia que se perdia fácil em seus pensamentos mais profundos. Estava em transe, pensava em muitas coisas.

Pensava no seu irmão, que era um pouco irresponsável por sair sozinho, sem levar muita munição ou muito menos avisa-la que sairia por uns dias. Pensava na sua falecida mãe, sabia que onde quer que ela esteja, teria orgulho de tudo o que foi feito até agora. Enquanto pensava nisso, nem percebera que seu pai estava conversando com ela.

-Filha? Você esta bem?-

Essa ultima frase a fez despertar do seu transe. Olhou de volta para seu pai que a observava com um olhar curioso.

-Desculpe pai, eu.....-

JH deu uma gargalhada. Não achou engraçado o fato de ela pedir desculpas por não ouvi-lo, mas riu por ela o ter chamado de pai. Fazia anos que não ouvia dizer isso.

-Sabe filha, faz anos que não vejo você me chamando de pai. Como todos por aqui me chamam de JH, me acostumei a ser chamado assim. É bom ser lembrando pelo meu verdadeiro papel na nossa família.-

JH deu uma piscada de olhos para Beatriz, no qual ela retribuiu com uma careta.

-Falando no Fernando, você sabe o que ele procura tanto?-

João Henrique tomou um gole de água e respondeu negativamente. Esse era o maior segredo que seu filho tinha e que não contou para ninguém, nem sua esposa sabia o que era. O resto do almoço foi uma coleção de história do tempo de infância de JH e de história do trabalho de Beatriz.

Logo após o almoço, Beatriz chegou em casa e tirou o seu uniforme. Olhando para seu corpo, viu como havia envelhecido. Embora fosse mais velha que seu irmão, ele é que parecia mais velho, pois a grande barba que ele cultivou nesses últimos tempos lhe dava uma aparência mais envelhecida.

Andou somente de calcinha do quarto até a cozinha onde no fogão a lenha esquentou uma água para o seu banho. Enquanto esperava a água aquecer, foi novamente ao quarto se olhar no espelho. Seu cabelo loiro caia até a altura do seu busto, cobrindo completamente o seus seios. Algumas cicatrizes no corpo revelavam histórias de luta e de sobrevivência.

Sendo mulher num mundo em desordem social pareceu algo complicado, mas Beatriz sempre dera uma boa surra num homem quando foi preciso. Já havia matado alguns para sobreviver. Não se orgulhava disso, mas sabia que era necessário. Olhou novamente para seu corpo que era refletido pelo espelho. Com seu um metro e sessenta, ninguém fora da cidade diria que ela era a policial mais valente e mais forte das redondezas.

Tomou um banho rápido, vestiu uma velha calça de abrigo e um moletom simples. Achou-se bonita. Sem andar com chinelo ou tênis, Beatriz andava somente de meia em direção ao sofá de dois lugares que ocupava o centro da sala e sentou-se.

O pequeno apartamento que ela ocupava na cidade, era um lar ideal para quem morasse sozinha, embora ela recebesse muitas visitas agradáveis. Tomou um chá de camomila e pegou um dos inúmeros livros que Fernando havia encontrado pela cidade.

Enquanto lia as primeiras paginas, um toque forte na sua porta chamou sua atenção. Abrindo a porta, ouviu seu pai falando muito rápido.

-Fernando voltou. Vamos rápido. -

Antes de Beatriz responder alguma coisa, seu pai já andava pelo corredor em direção a escada. Em todo esse tempo, era a primeira vez que ela foi pega despreparada para algo. Estava sem seu uniforme.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Capítulo 3: Dez anos de guerra - Parte 2-


Lugares conhecidos que foram alvos de dispositivos nucleares


























Em algum lugar entre Horizontina e Doutor Maurício Cardoso, cinco de abril de 2048

Desde que sua mãe morrera, Fernando ficou sem um dos alicerces que o sustentavam psicologicamente. Sempre fora apegado demais em sua mãe desde que se lembra como gente. Pouco mais de dez anos haviam passado desde o apocalipse, e quase sete anos desde que sua mãe falecera.

Fazia alguns dias que Fernando saiu de Horizontina em busca de algo que ele nem sabia direito o que era. Só sabia que quando achasse, saberia o que fazer ou agir. Foi o último a falar com sua mãe antes dela morrer. Ela havia dito algumas palavras, as quais ele não se atreveu a contar para ninguém, pois ela havia pedido isto. Continuaria procurando o que ela havia lhe pedido.

Era uma chance de mudança;

Fernando acordara todo dolorido. Suas costelas doíam conforme ele respirava. Lembrou-se instantaneamente da surra que tomou de dois sujeitos que acabaram roubando sua moto e o deixaram desacordado na beira da estrada.

Conhecia aqueles dois de outras ocasiões, mas não menos dolorosas do que esta. -A sorte deles é que eu não estava com minha arma em mãos...-, pensou Fernando enquanto se levantava cambaleado. Nada da sua mochila tinha sido furtada, somente a sua preciosa moto. Tirou do bolso esquerdo da sua calça jeans um relógio de bolso para verificar as horas. Sabia que estava atrasado para chegar a sua casa, mas pensou consigo mesmo, -pelo menos vou chegar em casa-.

Chutou uma latinha de alumínio que se encontrava ali perto e andou lentamente para casa.

Enquanto a latinha ainda se distanciava de Fernando com o chute, automaticamente a dor lhe cobrou o preço. Precisou parar um pouco para respirar, enquanto observava o horizonte, o sol timidamente aparecia entre uma pequena brecha das nuvens.

Horizontina embora não foi atingida por bomba ou radiação, a pequena cidade entrou em colapso muito rápido. Quando Fernando e sua família saíram do bunker a pouco mais de dez anos lembrava-se de ver muitas pessoas perto da prefeitura e da delegacia da cidade em busca de ajuda ou proteção. Quando souberam que o prefeito tinha morrido na cidade vizinha e que a polícia havia desaparecido, toda a calma arruinou-se.

A distancia até sua casa era pequena, mais uma hora de caminhada e chegaria atrasado para o jantar e com certezdepois ouviria o sermão do pai, da irmã e de sua esposa. Nessas horas, sentia ainda mais saudades de sua mãe. Amélia como muitos outros, não suportou viver num mundo tão frio, onde agora irmão matava irmão, onde nenhuma vida era respeitada.

De fato os tempos eram sombrios. Na avenida que cortava a cidade de uma ponta a outra, mato crescia entre as fendas do asfalto que há muito tempo não recebia manutenção. Carros abandonados no meio da rua davam a sensação de solidão e inquietude. Quanto mais adentrava pela avenida, mais e mais construções surgiam.

Na esquerda uma grande fabrica de maquinas agrícolas se encontrava em completo abandono. Sua parte frontal ainda exibia marcas de um grande incêndio que levaram parte dos pisos superiores ao colapso.

Um pouco mais adiante, entre uma pracinha de bairro tomada pela vegetação, um enorme outdoor ainda exibia cores brilhantes e vivas. No outdoor o astronauta brasileiro Rodrigo Ceuta estava vestido com seus trajes espaciais e ao fundo uma bandeira do Brasil e da Comunidade Sul-Americana. Uma frase com os dizeres: “Compre seu kit astronauta mirim e ajuda o Brasil e toda a Comunidade a alcançar as estrelas!”

Enquanto olhava para o quadro com um olhar nostálgico, disse: -Eu que comprei um desses e nunca chegou....-

A Lua estava no alto, iluminando o céu daquele início de noite. De longe entre prédios e carros abandonados, duas tochas eram o único ponto de iluminação artificial visível.

Estava em casa.

Enquanto subia um trecho da avenida, gritava:

-Abram o portão!-


A dor voltava com força nas costelas. Com a respiração ofegante, o mundo começou a girar, enquanto caia com força no chão, visualizou dois vultos indo em sua direção. E então o mundo ficou escuro.