terça-feira, 19 de abril de 2016

Capítulo 8: Relações de poder - Parte 1-

Piratini, Capital Federal, dez de maio de 2048

-Por favor, Senhor Presidente, fique mais alguns minutos nessa posição. - comentou o pintor enquanto olhava para o quadro e para Arthur, escolhendo o próximo tom de cor na sua palheta.

Os dias estiveram calmos em Piratini desde as ultimas prisões de pessoas suspeitas de pertencerem a OIPNOM, há pouco mais de um mês. Três suspeitos foram encontrados em suas casas com plantas de prédios governamentais e grande quantia de explosivos, além de acusados de espalhar boatos que estes estavam inflamando a população de fora dos muro das cidade a se revoltarem contra o governo.

Arthur Biancchinni respirava impaciente, incomodado com a posição que escolhera para ser eternizado no quadro. Se pudesse escolher novamente, escolheria uma posição onde pudesse ficar sentado e não uma onde em pé segurava a constituição da República, vestindo a roupa padrão dos governadores do Estado e a faixa tricolor representado as cores da nação.

-Se me pe-pe-permite Senhor Presidente- gaguejou o pintor,- gostaria de adicionar na pintura alguns elementos da cultura gaúcha no fundo do quadro.-.

-Sou a favor dessa ideia, Antônio- comentou Arthur enquanto observava a sua pose no reflexo de um grande espelho que cobria uma das paredes do cômodo, - mas creio que antes devemos escolher esses símbolos. Afinal somos nós, sobreviventes que moldaremos esse novo futuro, certo? -

O pintor concordou com a cabeça e continuou a pintura. Depois de alguns minutos, o artista resolveu dar uma retocada em alguns pontos já prontos do quadro e liberou o Presidente.

Arthur saiu apressadamente do cômodo, alongando os braços saiu em direção ao gabinete presidencial. Passou por dúzias de funcionários públicos, alguns membros do alto escalão do exército e um ou outro membro da elite econômica da Capital. Todos tentavam cumprimentar o Presidente, que raramente saia de seu gabinete ou da sala de reuniões. Havia muito que fazer ainda para a vida a voltar ao normal.

Chegando próximo do seu gabinete, um secretário correu em sua direção.

-Senhor Presidente!-

-Senhor Presidente!-

Arthur parou a cerca de 5 metros de seu gabinete, onde os dois guardas já haviam aberto a porta para a sua entrada.

-Senhor Presidente!-

O secretário, era um jovem de vinte e poucos anos, sendo filho de um dos grandes donos de estâncias da região, foi uma forma de agradecimento do Presidente pelos serviços prestados pelo seu pai na época da transferência da capital para Piratini.

-Vamos lá filho- disse o Presidente, - meu tempo está curtíssimo hoje. –

-Por isso mesmo Senhor Presidente. Você tem uma visita não agendada lhe esperando dentro do seu gabinete. -.

-Mas quem é que pensa que pode entrar aqui, sem agendamento ou convite?- Respondeu indignado Arthur

-E vocês guardas, porque não barraram a entrada?- Antes de dizer mais algumas palavras, ele observou a figura próxima à janela dentro do gabinete presidencial e reconheceu quem era. Respirou fundo, e adentrou dentro do gabinete. Sem esperar pelo movimento dos guardas, eles mesmo fechou a porta.

-É uma joia rara essa cidade, não é mesmo? De todas as novas capitais, creio que só Petrópolis seja mais organizada que Piratini. - falou o senhor de chapéu que observava pela janela o movimento na rua central da capital.

-Temos ainda muito que fazer, praticamente recomeçamos do zero, Jorge.- Observou Arthur.

-Não, na verdade teriam recomeçado do zero se não tivessem me ouvido semanas antes de tudo acontecer. Ai sim estariam tão perdidos e fragmentados quanto o resto do Brasil.- retrucou o senhor que acabara de tirar o chapéu e o colocou sobre uma escrivaninha.

Uma troca de sorrisos e logo após um abraço de dois amigos que não se viam a muito tempo. O senhor de chapéu era um antigo Coronel aposentado do exército que quando percebeu que as ameaças do apocalipse eram verdadeiras, preparou um plano de evacuação nas principais cidades brasileiras e de armazenamento de recursos materiais necessários para a construção de fortalezas capazes de proteger os sobreviventes, e de pessoas consideradas indispensáveis para tirar o Brasil rapidamente da idade das trevas que surgiria após o holocausto nuclear.

Todos consideraram os planos do Coronel uma piada de péssimo gosto, um plano megalomaníaco sem qualquer capacidade de dar certo. O Presidente do Brasil nunca se importou em ler os planos de contingência, mas alguns membros do alto escalão vazaram os documentos e um destes chegou às mãos do Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Luiz Eduardo Gomes.

Quando o dia chegou, o velho Coronel Jorge Fonseca encontrou o atordoado novo Governador Arthur Biancchinni em Sapiranga e comunicou de todos os planos que foram secretamente começados duas semanas antes das bombas caírem. Cerca de 5 mil pessoas foram transferidas para Piratini, além de toneladas de alimentos e uma grande quantidade de armas, combustíveis e de materiais de construção.

-Já se passaram quase seis anos desde a sua última visita, Coronel. Muita coisa mudou como eu creio que já deve ter visto no seu caminho até aqui. –

-Sim, meu caro Presidente- Arthur percebeu o tom irônico quando o coronel pronunciou a palavra Presidente. –mas vim aqui representando um poder maior. Nessas minhas caminhadas por todo o Brasil, vi centenas de comunidades prosperando em terras desoladas, e algumas haviam saído já da sobrevivência básica e já haviam partido para a expansão. -

-O sudeste brasileiro está convulsionando em batalhas campais entre as maiores cidades e seus vassalos, e estas, às vezes se unem quando o inimigo é maior.

-Nesse caso, seria a OIPNOM?- questionou Arthur.

-Geralmente sim, Arthur,- respondeu o coronel – mas também vale quando o se fala do Império. Tive oportunidade de viver um tempo na corte em Petrópolis, e o que as auto proclamadas Oito Repúblicas reconhecem, é que o Império tem os maiores recursos militares que sobreviveram do apocalipse. O que falta para nós é um maior número de pessoas.

-Os conflitos começaram recentemente com trocas de acusações de espionagem e sabotagens, mas nada oficialmente comprovado. Mas alguns observadores leais ao Imperador o alertaram que movimentos da OIPNOM foram confirmados por toda a cidade de Rio de Janeiro, e que ironicamente alguns dias após isso, começaram as sabotagens e pequenos delitos por toda a região.

Arthur ouvia atentamente as palavras proferidas por Jorge. Não haviam muitas informações de fora que pudesse ser dignas de oficiais ou que parecessem como tais, geralmente vinham com os comerciantes e contadores de história, em forma de histórias que alguém contou para outro, que contou para outro e assim por diante.

Arthur sentou-se em sua cadeira e acendeu um charuto.

-Quer um charuto Coronel?- perguntou Arthur estendendo-lhe um charuto.

Jorge simplesmente ignorou a oferta e esperou o Governador guardar o charuto de volta na sua escrivaninha.

-Onde eu estava mesmo?- questionou-se o Coronel. -Me lembrei- suspirou.

-O Imperador então mandou seus diplomatas para as maiores nações vizinhas para alertá-los dessa movimentação, para que todos reforcem seus esquemas de segurança e que possam logo, formar uma agenda de debatas para resolver a questão da OIPNOM de uma vez por todas.

-E eu, com o conhecimento que tenho do Governo Provisório Rio-Grandense, me ofereci para ser o porta voz do imperador para com você como representante geral do povo gaúcho. É bem simples. Trouxe alguns documentos com informações que você pode lê-los e decidir depois se são verdades ou mentiras.

Arthur olhava desconfiado para o Coronel que aguardava pacientemente por algumas palavras ou gestos de aceite da proposta.

Ele levantou-se da cadeira e andou em direção a grande janela de seu escritório. A rua de frente estava movimentada por todo tipo de gente, o som de inúmeras vozes e das buzinas das charretes e do relinchar dos cavalos. Tudo o que fora construído, tudo que fora preservado poderia simplesmente ser mantido ou destruído, dependendo se ele lesse ou não esses documentos.


O Presidente da República não disse nada. Caminhou em direção ao Coronel e estendeu-lhe a mão. Era um caminho sem volta. Essa ajuda de bom grado do Império estava altruísta demais para ele, mas não poderia recusar. A partir desse ponto, as coisas seriam diferentes para Arthur Biancchinni e para toda Piratini.