Reunião
Familiar.
Horizontina,
dez de janeiro de 2038.
Fernando tinha deixado
de acreditar em Deus fazia muito tempo. Desde os tempos que suas obrigações
como um sujeito criado na religião católica foram cumpridas, largou as idas às
missas ao domingo e de contribuir com o dízimo.
Mas nesses tempos em
que o fim chegaria a menos de 10 minutos, resolveu rezar com sua família ao
redor da mesa da sala de jantar enquanto na televisão uma música suave tocava e
um cronômetro, agora, marcava um pouco mais de nove minutos.
A música que tocava
suavemente poderia ser de Beethoven, Strauss, ou Bach. Isso não importava nesse
momento. O momento agora seria para perdoar seus familiares, os seus próprios
erros e quem sabe ser perdoado por alguma divindade que talvez exista e que
comandava o ritmo do Cosmos.
O apresentador na
televisão que estava olhando para as câmeras no estúdio estivera nos últimos
cinco minutos calado, como a maioria das pessoas ao redor do mundo. Dos grandes
centros urbanos aos vilarejos rurais, todos estavam em casa reunidos com seus
entes queridos para a despedida.
-Talvez seja um blefe
da Organização Internacional pela Nova Ordem Mundial (...) -dizia o
apresentador de sessenta e poucos anos que acompanhou décadas atrás a queda do
Muro de Berlim e o Fim da União Soviética, quando era um repórter estreante no
mundo do jornalismo. Sua naturalidade sempre jovial e sorridente que cativou o
público no seu telejornal fora substituído por um rosto pálido e sem suas
expressões marcantes.
- (...) desde que o
grupo destruiu parte de Miami com um pequeno artefato nuclear, que segundo eles
foi roubado de um dos grandes arsenais nucleares espalhados pelo mundo, a
população mundial ficou apreensiva...-
-Dez de janeiro, às 19
horas de Greenwich (...).-
E então a televisão foi
colocada no mudo. A mãe de Fernando era uma das únicas pessoas no Brasil que
deveria detestar o apresentador do telejornal.
-Cansei desse velhaco.-
E o cronômetro marcava
cinco minutos.
Amélia era uma
orgulhosa mãe que conseguiu quase todos os seus objetivos de vida. Casou-se com
João Henrique que foi seu primeiro grande amor na juventude e teve um casal de
filhos. Fernando era o mais novo e recém-formado da faculdade de história com
seus vinte e três anos e sua irmã Beatriz com vinte e cinco anos que já era
formada em administração e cursava pedagogia. Com seus cabelos escuros, olhos
castanhos e 48 anos, Amélia estava distraída olhando para fotos dos seus filhos
quando eram crianças e lamentava o dia de hoje.
-Se vocês tivessem mais
tempo...-
Enquanto Amélia olhava
com ternura para os filhos, João Henrique voltava da cozinha com quatro copos e
uma garrafa de uísque doze anos.
-Era para tomarmos numa
ocasião especial esse uísque, mas em vista das circunstâncias...-
João Henrique sempre fora
um dedicado pai e um crente crédulo em teorias da conspiração. Desde que o
OIPNOM, anunciou que praticaria um ataque nuclear massivo por todo o planeta,
ele não dormiu sossegado. Tirou férias do trabalho e durante um mês leu tudo o
que podia sobre física nuclear, bombas atômicas e todo um sem número de
publicações e artigos sobre pseudociência e movimento New Age.
JH como seus amigos
íntimos o chamavam, quando não estava preocupado com teorias de conspiração,
ele produzia cervejas artesanais como forma de relaxar e aguentar o dia. Fazia
anos que seu farto cabelo havia se reduzido para uma calvície generalizada,
algo típico para os homens acima de 50 anos, embora ainda não tivesse chegado aos
50.
E o cronômetro marcava
2 minutos.
-Esse é um brinde a
humanidade, que finalmente conseguiu se destruir!- Brindava JH com seu sarcasmo
habitual.
Depois de todos tomarem
a dose servida por JH, Amélia percebeu que o apresentador havia ficado em silêncio
novamente e tirou a televisão do mundo. A música estava lá ainda, tocando
calmamente.
-Pai, você acha que
nossa cidade vai ser atingida? -Perguntava Beatriz, prestes a chorar na frente da
família.
- Sinceramente? Talvez
sim, talvez não. Se não fomos atingidos em cheio por uma dessas bombas, provavelmente o
inverno nuclear irá nos liquidar. Entre sofrer os efeitos de um inverno de
secas, fome e tragédia, eu sinceramente preferiria morrer instantaneamente
pelas bombas.-
JH enchia novamente seu
copo com uísque novamente e oferecia a bebida para seu filho que esteve calado
nos últimos minutos.
-Fernando você está
muito calado. Não adianta se remoer agora pelo o que você já fez ou o que não
fez. Tome mais um pouco dessa bebida, vai ajudar você a ficar relaxado. -
(-> Capítulo 1: Dez Minutos -Parte Dois)