terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Capítulo 7: Lembranças - Parte 2-

Horizontina, 1º de maio de 2048

No mundo antigo, diga-se de passagem, antes do apocalipse, o dia primeiro do mês de maio comemorava-se o dia internacional do trabalhador. Essa data raramente é lembrada nos dias atuais. Horizontina deveria ser um dos poucos lugares onde a ideia de descanso nessa data ainda era lembrada.

Fernando havia saído antes de o sol nascer, tinha ido ajudar seu pai em alguma tarefa. Paloma estava sozinha, e diferentemente do que Fernando achava, ela gostava de ficar sozinha. Nessas horas onde o barulho cessava, a cabeça dela funcionava a pleno vapor. As flores que decoravam a mesa haviam sido colhidas de um dos inúmeros jardins abandonados pela cidade.

As flores davam um toque de alegria e perfumavam naturalmente o ambiente, o perfume das flores faziam Paloma se lembrar dos tempos que era criança, no interior da província de Entre Rios, na Argentina. 

As flores que perfumavam sua infância haviam sido murchadas naquele fatídico dia em 2038. Depois disso até o começo de 2044, as flores não pareciam que voltariam a nascer na sua vida.
Foi até o quarto e pegou um pote plástico que guardava algumas fotografias de seus pais e irmãos. No fundo do pote, um pequeno saco plástico transparente continha uma velha flor já desbotada. Havia ganhando do Fernando no primeiro dia de março de 2044. Fora um gesto ingênuo dele, mas a partir daquele dia sua vida e a dele mudaram.

Se não tivesse perdido tudo naquele mês de fevereiro, talvez a sua vida fosse completamente diferente.

Mas então, naquele fevereiro agitado, tudo mudou.
            
Oberá, 2 de fevereiro de 2044.

- Sem armas a partir daqui, seus argentinos sujos!- gritou um miliciano próximo em espanhol.
Paloma estava com seus dois irmãos mais velhos Estevan e José esperando seu pai voltar da fila do armazém. Embora Oberá fosse uma cidade da antiga Argentina, um grupo de brasileiros havia feito o caminho inverso de muitos hermanos que fugiram para o Brasil. Na cidade de Oberá e seus arredores, Bento Santos criou seu próprio feudo e dominava a cidade a mãos de ferro.

Estevan entregou a arma de caça que ele possuía e começou a conversar em português com o soldado que ficava próximo do portão de um antigo supermercado. Estevan era de um tempo anterior das políticas de integração linguística dentro dos países sul-americanos. Dificilmente uma criança nascida posteriormente a 2025 não sabia falar as duas principais línguas do bloco. A população mais velha se arranjava no bom e velho portunhol.

A população em sua maioria argentina sofria com escassez de alimentos e eram cidadãos de segunda classe se comparado com uma minoria de brasileiros residentes no local. As melhores armas e os armazéns estavam nas mãos dos brasileiros. Antes do apocalipse quando se falava em rivalidade Brasil e Argentina eram evidentes nos campos de futebol, clássicos mundiais. Hoje a rivalidade havia se misturado com o ódio. Os dois eram latentes e por demais perigosos.

Entre palavras em português e espanhol, Estevan perguntou ao soldado o motivo da demora da fila que parecia não se mexer. Antes de perceber o soldado empurro-o e disse somente a palavra “tumulto”.

Paloma havia completado seus 18 anos a alguns dias e de presente seu pai lhe prometeu uma nova vida, e esse era o plano para hoje a noite. A fuga. A liberdade. O cheiro de conspiração nas ruas de Oberá não era paranoia de Bento Santos. Somente o seu desprezo pela população nativa deveria ser maior do que o desprezo que eles sentiam por ele.

Essa paranoia fez com que grande parte dos soldados em serviço fosse remanejados para os arredores do palácio governamental, onde Bento morava junto com suas 3 esposas e meia dúzia de filhos. As ruas mais distantes da cidade sofriam saques e incêndios, o mercado onde era pego a ração semanal era um dos únicos pontos fora da região do palácio que ainda era efetivamente comandado por Bento e seus asseclas. 

Contando com o guarda que empurrou Estevan, visivelmente havia 13 soldados armados com AK47 e mais militares dentro de um tanque. Ao total menos de 25 soldados estavam fazendo guarda nesse ponto chave. Paloma ajudou Estevan a levantar-se do chão e começou a acalma-lo.

- Irmão, lembre-se o que papai nos pediu. – Disse Paloma enquanto ajeitava a franja do cabelo de Estevan. – Guarde essa energia para mais tarde. –

Antes de Estevan dizer algo, José pediu o silencio dos dois irmãos. O que parecia ser uma discussão estava se tornando um empurra-empurra nos primeiros lugares da fila.

- O que esta acontecendo? – Perguntou Estevan ainda meio confuso.

Bastou um tiro próximo da entrada do mercado para assustar tantos os guardas quanto os civis. Um civil havia entrado com um pequeno revolver escondido e feito o disparo. Esse disparo foi o início do caos.

O plano que era fugir de Oberá na madrugada precisaria ser revisto. O empurra-empurra acabou virando uma revolta contra os militares que tentaram fechar as portas do supermercado em vão. Os civis começaram a saquear o que viam e fugiam dos tiros disparados por soldados despreparados.

Jose pulou em cima do guarda que havia empurrado Estevan que tentava fechar o portão que dava acesso ao mercado. Paloma correu em direção à arma do irmão que estava junto com outras armas que os guardas haviam revistado dos civis. Ela entregou a arma para José e correu em direção a Estevan que com raiva chutava o guarda que já estava desarmado e rendido no chão.
Paloma empurra Estevan para trás e fica entre ele o guarda desacordado.

- Irmão, não vale a pena. Não seja como ele. – Disse Paloma.

Estevan cuspiu em direção ao soldado já desmaiado, agarrou as mãos de Paloma e puxo-a para trás de um carro fora da linha de tiro.

- Voltarei irmã, fique aqui!- Disse Estevan enquanto corria em direção a José que estava atrás de uma caçamba de lixo atirando contra os soldados. Jose entregou uma pistola para ele. Sorrindo, Estevan pega a arma e começa a disparar em direção do guarda que estava se protegendo próximo ao tanque.

Paloma começou a cantar uma musica na sua mente enquanto tapava suas orelhas com suas mãos. O barulho de tiro estava intenso e seu medo era perder seus irmãos e seu pai hoje. Não poderia perde-los.

O som de tiros foi abafado por uma explosão. Ninguém dos militares ou dos civis ali presentes possuíam armas capazes de explodir um tanque. Ao leste o som de trombetas indicava que a NACION POPULAR ARGENTINA estava por trás da explosão do tanque. Os militares restantes fugiram em direção ao centro enquanto as tropas rebeldes da NPA avançavam em posição de ataque para perseguir os soldados restantes.

O fogo se espalhou na área do mercado. Entre a fumaça, Jose e Estevan tiraram seu pai das proximidades do mercado até uma antiga praça localizada próxima ao mercado. Respirando com dificuldades, ele fora alvejado na altura do abdômen. Não poderiam levar seu pai para o único médico da cidade, pois qualquer ferimento a bala deveria ser comunicado as autoridades e na atual situação até o médico deveria estar na comitiva de Bento Santos.

- Não importa o que acontecer comigo crianças...- disse Nestor, respirando com dificuldades. – Vamos partir agora! Juan já deve estar nos esperando. - .

Saindo dos domínios de Bento Santos a sensação de segurança aumentara na cabeça de Paloma. Embora não lembre muito da sua vida antes da chegada a Oberá. A falta do barulho da cidade lhe caia bem. Partira os quatro em dois cavalos já preparados para a viagem em direção a encosta do rio Uruguai.

Eram cinco horas da tarde quando chegaram a um antigo vilarejo onde ficavam as bolsas que seguiam em direção à cidade brasileira de Porto Mauá. O vilarejo do lado argentino, viviam algumas família que vendiam seus serviços de transporte entre as fronteiras e a comercialização de itens para viagens.

Na rua do porto das bolsas, Estevan e Jose desciam Nestor do cavalo com cuidado e com a ajuda de Juan levaram para a sua casa. Enquanto isso, Paloma observava o rio em direção ao porto do lado brasileiro. Alguns barcos pesqueiros já estavam parados, estacionados esperando o próximo dia de pesca. Observando um pouco mais longe, conseguira avistar a famosa Ponte das Nações, que se encontrava em ruínas.

Paloma não deveria lembrar-se da história da ponte que fora inaugurada em 2034 e funcionou por algum tempo até tudo acontecer. Depois da queda dos Estados argentino e brasileiro, a ponte servia como ponto de fuga dos dois lados que buscavam melhores condições de vida. O problema começou em 2041 quando uma grave seca atingiu território da antiga argentina em detrimento de uma época de bom clima do lado brasileiro. O êxodo maior de argentinos causaram diversos problemas com os brasileiros da área de fronteira se tornaram constante.

A população de Porto Mauá e de moradores das povoações vizinhas resolveu contornar o problema argentino de uma maneira bem rápida. No dia 12 de junho de 2041 a ponte foi parcialmente destruída, impedido a livre circulação de pessoas de modo seguro. Parte dos que resolveram atravessar pelo rio acabaram sendo alvejados pelos moradores.

Paloma voltou para si depois do relinchar de um dos cavalos, levando-os até uma sombra onde os amarrou. Correu para a casa de Juan, avistando seus dois irmãos sentados num banco do antigo jardim de inverno da casa. Estevan bebericava um chimarrão enquanto Jose não parava de dar voltas dentro do pequeno cômodo.

-Como está papai?- perguntou apreensiva Paloma.

- Juan disse que ele vai sobreviver, chegamos a tempo aqui, graças a deus – suspirou Jose, - Devemos pensar como agiremos agora. Papai queria que atravessássemos logo a fronteira, mas agora não sei se continuamos ou esperamos as coisas melhorarem. -

Estevan esboçou uma resposta, mas ao perceber que Juan lhe chamava seguiu em direção ao cômodo que parecia um antigo escritório.

- Não quero saber como o seu pai levou o tiro ou o modo que vocês chegaram aqui, mas quero que saiba que vocês são bem vindos para ficar o tempo que precisarem, mas preciso ser franco com você Estevan. – Juan pensava como proferiria as próximas palavras – mas creio que seu pai não sobreviverá caso partam hoje. Ele está fraco e precisa de máximo repouso.

- Conheci seu pai na época da Guerra Civil Paraguaia em 2019. Servimos no mesmo batalhão durante o conflito. – Estevan ficou surpreso. Seu pai nunca havia contado que participara da guerra. Ele era apenas uma pequena criança quando a guerra civil nas antigas fronteiras paraguaias estourou. Batalhões dos países vizinhos invadiram quando após um golpe-de-estado o ditador rompeu com A Comunidade Sul-Americana e perseguiu cidadãos dos países membros alocados dentro das terras paraguaias.

Após os batalhões de pacificação tomarem Asunción, a antiga nação paraguaia fora assimilada pela República Argentina e pelo Brasil, tornando-se um Estado com estatuto especial dentro do território das duas nações. Amplamente criticado pela comunidade internacional pelo o que muitos consideraram como uma anexação arbitrária, nada além de críticas vazias saiu do Conselho de Segurança da ONU e das outras potências.

Estevan lembrou que estudara a Guerra Civil Paraguaia durante o colégio e era um tema recorrente nas aulas de Relações Internacionais que cursava na Universidade de Córdoba. Não chegou a concluir o curso, como muitas outras cidades, Córdoba fora bombardeada. Estevan estava na casa de seus pais no interior de Oberá.

- O que será que estão conversando lá dentro irmão? – perguntou Palome curiosa.

- Não consigo ouvir Paloma, mas creio que vamos adiar a ida ao Brasil.- respondeu em Jose em seco.
A porta do escritório se abriu. Juan apertou a mão de Estevan antes de seguir para dentro de sua casa. Estevan se aproximou alegremente em direção aos seus irmãos, e antes que Paloma perguntasse algo, ele disse:

- Por hora ficaremos aqui. Até nosso pai se recuperar, Juan é um velho amigo de papai.-

____

Passara uma semana que haviam chegado nessa pequena comunidade, Nestor já andava novamente, e os planos para cruzarem a fronteira se concretizariam na noite do dia seguinte. Mas o improviso foi necessário, pois não esperavam o que aconteceu naquela noite.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Capítulo 7: Lembranças - Parte 1-

Horizontina, vinte de abril de 2048

Depois de aquele pequeno ataque de nervos, Fernando resolvera ir à sua antiga casa na cidade. Não era distante do centro, onde vivia agora. Seu pai embora tivesse residência no seu hotel, ele nunca havia abandonado a antiga casa a qual havia comprado quando se casara com Amélia.

As ruas mais próximas que ficavam de fora da muralha estavam limpas, sem entulhos ou acúmulo de sujeito. Conforme se distanciava dos portões, as pequenas ruas que saiam que cortavam as vias principais mostravam os dez anos de abandono. Como sempre ouvia em discussões e na televisão: No final a natureza retomaria tudo.

Casas que sempre tiveram jardins impecáveis se tornaram verdadeiras florestas, pássaros e outros pequenos animais eram comuns serem vistos saindo de uma janela ou porta que fora esquecida aberta. Algumas casas que foram consumidas por um ou outro incêndio o sinal do retorno da natureza era maior. Paredes que haviam permanecido em pé eram atravessadas por raízes, troncos e galhos.

As ruas asfaltadas ainda resistiam bem. Rachaduras aqui e ali permitiam que algumas espécies de plantas pudessem sobreviver lá, mas conforme as ruas de asfalto eram substituídas por ruas de pedra, pouco restava à mostra. Os caminhos mais usados para locomoção ainda resistiam, mas logo, arvores e arbustos maiores floresceriam também.

Na rua da sua antiga casa, entre várias casas tomadas pelo tempo e carros esquecidos, uma casa era singular. A grama aparada, as arvores próximas podadas e uma pequena horta cuidada aonde era um terreno abandonado. Estava em casa. Seu pai estava lá, colhendo os últimos vegetais da safra de abril.

- Essas alfaces estão bem bonitos pai. –

- Espere para ver as abobrinhas. Vão ficar ótimas num ensopado. –
João Henrique largou as alfaces e deu um abraço em Fernando.

- Como vão as coisas no hotel? –

- Vai bem filho. Com o fim de abril chegando, sabe que maio é um mês bem parado, mas estou esperando alguma agitação quando chegarem os transferidos de Piratini. –

- Sim, sim pai. Estou para chegar nos próximos meses os militares para guarnecer a região, e mais alguns comerciantes e suas famílias na região. O prefeito está formando uma força tarefa para restaurar algumas residências e lojas comerciais para oferecer para os novos moradores. Sabe que embora Três de Maio e Horizontina sejam cidade amigas, sempre tiveram uma rivalidade para atrair investimentos e pessoas. –

- É verdade filho, mas me seja franco, filho você não veio aqui só para ver como estava a minha horta não é? –

Todos esses anos e João Henrique ainda sabia ser irônico com os filhos. Essa resposta pegou Fernando de surpresa.

- É... Na verdade vim visitar a mãe. Faz tempo que não a visito. –

- Sem problemas filhos, só não desapareça depois... Como nas últimas vezes. –
Fernando entrou pela porta da frente enquanto seu pai ria descontroladamente.

Dentro da casa, os mesmos quadros, as mesmas fotos estavam lá, no mesmo lugar que sempre estiveram. A casa estava limpa, impecável. Parecia que estava a espera deu uma visita importante, mas hoje em dia quem teria muito tempo para visitas?

Olhou cada cômodo da casa, cada objeto. Tudo lembrava tempos que não voltavam mais. Na garagem, o carro que nunca voltara a funcionar estava lá. Limpo como se tivesse saído de um lava carro.

Saindo da casa por trás, observou a pesada porta onde levava ao bunker. Desde a primeira vez que havia saído da primeira vez a pouco mais de dez anos, nunca mais quis entrar novamente nesse espaço. Havia quebrado essa promessa apenas uma vez, numa noite a mais de sete anos. Desviando o olhar da porta foi em direção ao túmulo onde sua mãe repousava.

A lápide dizia: Amélia Ebner Costta, 12/02/1990 - 18/03/2041

As lembranças de sua mãe traziam conforto e paz de espírito, mas também certa inquietação. A morte de sua mãe fora prematura, mas também era provável naqueles dias. Sem medicação apropriada e imunidade fraca qualquer ser humano pereceria. Aqueles dias anteriores da morte de sua mãe foram dias especialmente agitados.
          
                                              Horizontina, 17 de março de 2041

O relógio estava com seu tic-tac habitual e constante. As engrenagens do relógio funcionavam como um corpo perfeito. Se fosse para comparar com Fernando e Amélia, estes pareceriam um relógio com defeito. O único som que interrompia o som habitual do relógio era os trovões que não cessavam mesmo depois do fim de um dia de tempestade, e barulhos de artilharia pesada.

Os argentinos haviam imigrado em massa para terras brasileiras, o que causou escaramuças espalhadas em toda a fronteira não contaminada. Muitos grupos vieram organizados com armamentos e táticas militares. Doutor Maurício Cardoso estava a três dias tomados por quase uma centena de platinos e estes tentavam se expandir.

Estavam a 5 km de Horizontina e todo o homem e mulher apta estava na luta. Mas não havia só horizontinenses na batalha. Três-maienses, santa-rosenses e até alguns militares profissionais da Cidade Livre de Santo Ângelo estavam na luta para impedir o avanço argentino. Fernando havia se ferido no dia anterior com estilhaços de uma bomba e estava com o rosto machuco com um enorme corte.

Beatriz e João Henrique estavam em linha de frente. Horizontina que estava com metade da construção de uma muralha no seu centro estavam com as obras paradas, algumas pessoas já haviam fugido esperando pelo pior. Naquele dia com a ameaça de a defesa ceder e Horizontina ser invadida, Fernando e Amélia estavam no bunker.

Amélia embora não tivesse ferida pelas batalhas, estava doente fazia alguns dias. Começara como uma gripe comum, mas a febre insistia em não diminuir. Simples antibióticos resolveriam o problema facilmente, mas em tempos que se as vezes se briga até a morte, comida e remédios se tornaram valiosos e perigosos. Numa mesa de canto ao lado da porta, um revólver com duas balas, caso fosse necessário.

O bunker não estava lacrado como quando as bombas explodiram. Uma pequena fresta mantinha um mínimo de circulação no ar, substituindo os filtros que já não funcionavam mais.

- Odeio esses barulhos, me deixam ainda mais angustiada. –

- Os trovões ou da artilharia mãe? –

- Os dois. Nunca gostei de trovões, e a cada barulho de explosão ou tiroteio, me fazem lembrar que eles estão lá fora lutando. –

- Pelo menos não está chovendo mãe. Com chuva você mal escuta os tiros e as explosões. –

- Pelo menos (...) –

Uma explosão distante assustou os dois.

- Essa pareceu mais perto Fernando. –

- Calma mãe. Eles sabem se cuidar. –

A tosse de Amélia estava mais seca, nem conseguiu responder Fernando, apenas concordou balançando a cabeça. Amélia acabou caindo no sono, à febre a deixava quase o tempo todo dormindo, mas Fernando não conseguia descansar. Sentia-se um inútil. Não conseguiu nem ajudar a defender seu lar e muito menos conseguia ajudar sua mãe.

Fernando empurrou a porta do bunker um pouco. Queria sair, respirar um pouco o ar frio da noite. O céu poderia ser dividido em dois naquela noite. Em direção ao sul as nuvens de chuva ainda produziam trovões, ao norte as estrelas tomavam conta, a lua estava lá como sempre. Um objeto ainda piscava no céu em ritmo cronometrado. Seria um satélite ou uma das estações espaciais?

A batalha acontecia ao norte, Fernando conseguia ver fumaça no horizonte. Os tiros estavam ficando mais distantes. Será que estavam vencendo? Fernando resolveu acender um cigarro. O cigarro embora fosse um vício, dava certo conforto e ajudava colocar seus pensamentos em ordem.

O cigarro já estava no fim quando mais uma explosão clareou rapidamente o horizonte. Antes de olhar em direção aos combates, o clarão já havia desaparecido. Então tudo ficou quieto. Os sons de tiros e de explosões se tornam tão comuns, que você somente nota novamente se o som ficou mais alto. Se ficar mais alto pode significar que a batalha está chegando mais perto ou que o grande ato das batalhas, daqueles que podem mudar tudo, acontecer.

Nesses momentos, o silencio pode nos indicar que tem algo errado no ar. O ambiente estava calmo. Calmo até demais. Lançou para longe o pequeno resto do cigarro e entrou novamente dentro do bunker, fechando com força a porta. Dentro do bunker o único som era o da sua própria respiração e da sua mãe.

Por hora tudo estava ok.

Fernando acendeu uma vela e a colocou na mesa ao lado da arma, esta que seria a ultima opção caso desse tudo errado. Pegou a arma e a examinou, estava em perfeito estado de conservação e totalmente funcional. Embora Fernando não fosse um excepcional atirador como sua irmã, ele tinha uma mira relativamente decente para alvos parados.

Beatriz ao contrário, parecia ter nascido para puxar o gatilho. Qualquer fosse o alvo, dificilmente ela erraria. Quando os argentinos tomaram Doutor Maurício Cardoso, ela foi uma das mais entusiasmadas para partir para a luta. Vivia a luta, respirava e sentia prazer no que fazia.

Fernando colocou a arma no lugar e respirou fundo. O cheiro do cigarro estava em suas mãos, na sua roupa e no ambiente. Queria fumar mais um cigarro, mas conteve-se. Sua mãe agitou-se um pouco, tossindo mais um pouco. A febre parecia estar pior a cada momento que Fernando olhava sua mãe.

- Fernando? – O som mal saiu da boca de Amélia

- Descanse mãe, descanse. –

- Filho, eu não vou aguent... – Um novo surto de tosse interrompeu a frase. Essa havia sido a pior até agora.

Fernando observando sua mãe, percebeu que estava a perdendo.
Seus olhos castanhos mal permaneciam abertos. A respiração cada vez mais lenta, seus cabelos que já foram perfeitamente liso e arrumado estava totalmente desgrenhado. A sua aparência já não condizia com sua idade. Em três anos ela envelhecera mais de 10 anos.

- Filho preste atenção em mim. Não chore por mim, lembre-se dos momentos bons que tivemos. –

- Quero que faça algo para mim Fernando. –
A respiração de Amélia estava ficando a cada minuto mais lenta. Fernando mal controlava as lágrimas, segurou as mãos dela contra a sua. Conforme suas mãos alisavam as mãos de sua mãe, mais lagrimas apareciam. Estava desolado, o desespero tomava conta de cada parte do corpo dele.

- Não, não, não, não mãe. Não vou te perder. –
Fernando tentou engolir os soluços e controlar a respiração.

- O que você quer que eu faça mamãe? –

- Tem uma pessoa filho (...)    vai ajudar. Um amigo que perdi contato antes da guerra. Ele... ele pode ajudar. –

- Quem é ele mãe? –

- Um amigo (...) possui bastantes tatuagens, tem uma... que você iria gostar. Ele tem uma tatuagem de (...) com cabeça de cachorro. Um deus. –

- Não entendi mãe. –

- Tatuagem de um deus, de uma pessoa com cabeça de cachorro. –

- Anubis mãe?-

- Eu (...), creio filho. Ele pode te ajudar quando o momento chegar e ele voltar para cá, ele prometeu, mas antes disso prometa (...) não conte para seu pai ou sua irmã. –

- Promete? –

- Prometo mãe. Você não me disse o nome dele, mãe...-

Fernando olhou para sua mãe novamente. A respiração havia cessado. O desespero tomou conta de Fernando. O choro que estava apertando para sair, se libertou. Fernando caiu no chão feito uma criança. 

Sua mãe estava morta.

Lembrou-se da arma. Abriu o bunker e saiu com arma. Apontou em direção da sua testa.
A respiração ofegante, a tontura, a dor, o ódio, a infelicidade. Fernando queria acabar com sua vida agora mesmo, mas não conseguia disparar a arma contra sua cabeça.

Gritou como nunca havia gritado. Tirou a arma de perto da cabeça e disparou as duas balas em direção aos céus.


O mundo girou, e Fernando desmaiou.

(Capítulo 7: Lembranças -Parte 2-)


sábado, 8 de agosto de 2015

Capítulo 6: Operação Pindorama - Parte 2

Horizontina, vinte de abril de 2048

O dia anterior foi realmente exaustivo para todos envolvidos na recepção da comitiva. Ontem fora um dia realmente agitado. Enquanto o prefeito da cidade e o embaixador conversavam entre sim, construindo novos alicerces para a amizade e cooperação, os militares que vieram com a comitiva, montaram uma grande tenda que cobriu parte da rua que separava a prefeitura da praça. 

Dentro dessa tenda, a carroça teve parte de sua carga desmontada. Aos poucos o local virou um posto provisório, onde os militares de Piratini estavam esperando ordens do embaixador ou da própria capital, através de uma estação de radio ligado exclusivamente para a sede.

A reunião entre os representantes durou cerca de 5 horas. Era depois das dezessete horas que Fernando e a soldada Maria terminassem de redigir uma ata da reunião que seria impressa, assinada pelo prefeito e pelo embaixador e uma cópia que seria colocada no mural de avisos e decretos que estava localizado no hall de entrada da prefeitura.

Antes da assinatura do prefeito, o restante dos membros dos conselheiros foram chamados para lerem as propostas elaboradas. Sem grandes modificações, o documento foi aprovado e assinado.

Entre os pontos principais estabelecidos, estavam:

- O município de Horizontina, aceita a adesão como parte efetiva dentro das terras do Governo Provisório Gaúcho, tendo seus direitos de autonomia local garantidas sem grandes restrições;
- Recuperação do aeroporto municipal para recebimento de monocópteros, aviões de pequeno porte e zepelins militares;
- Restabelecimento das linhas de transmissão de energia com Três de Maio e Doutor Maurício Cardoso, sendo que Horizontina e Três de Maio deveria ampliar sua capacidade de geração de energia;
- O município de Três de Maio e juntamente com Horizontina deveria achar um local adequado e construírem um acampamento avançado para cerca de 50 soldados que viriam diretamente de Piratini. O local deveria ser a meio caminho dos dois municípios.

Depois do aceite do prefeito e da assinatura do documento, todos os representantes da administração da cidade e membros do conselho se reuniram com os soldados na tenda, onde alguns equipamentos eram tirando de caixas. Eram drones de reconhecimento, usados para reconhecimento de terreno e coleta de fotos de alta qualidade. Enquanto os três drones voavam calmamente para fora da tenda, um dos militares que o ativou disse:

- Os drones irão fazer fotografias aéreas de todo o perímetro urbano e das áreas adjacentes, como relevo, rede hidrográfica e vegetação. Vamos atualizar as imagens que temos de todas as áreas possíveis do Estado. O último levantamento foi em setembro de 2037, e como sabemos tudo mudou desde lá.

Enquanto alguns acompanhavam as imagens que os drones capturavam e era exibida nas telas dos computadores. Muitas áreas mais periféricas da cidade haviam sido engolidas pela vegetação. Um pequeno grupo de soldados se retirou da tenda juntamente com Carlos que iria mostrar a sala de radio, e onde poderia ser instalada uma antena mais potente para manter contato diretamente e constante com Piratini.

Enquanto a noite descia, foi celebrada uma festa de boas vindas aos militares que foi realizada no restaurante do hotel. Depois que todos se retiraram para mais uma noite de sono, a cidade voltou ao normal, mas por pouco tempo. O sol nem havia nascido quando os soldados desmontaram a tenda, tiraram seus cavalos dos estábulos e partiram rumo a procura de cidades e povoados situados próximos ao rio Uruguai.

Naquela segunda feira tanto Fernando quanto Paloma ficaram em casa, curtindo um dia de folga antes de começarem a ajudar nas fazendas ao redor da cidade. Havia grande expectativa sobre uma possível colheita recorde de trigo. Paloma havia colhido algumas flores que nasceram próximos aos portões de Horizontina e colocara em uma vasilha com água para decorar a mesa de jantas.

Mesmo com hábitos tão diferentes, Paloma e Fernando eram um casal que se completava de modos diferentes. Fernando muitas vezes se perdia em seus pensamentos desde a morte de sua mãe, às vezes chegava a sumir um ou dois dias até retornar para casa como se não tivesse desaparecido. Já havia tentando seguir seu marido, não desconfiava da fidelidade dele, mas queria poder ajuda-lo em seus momentos.

Fernando abriu os olhos e abriu a cortina da janela. Da visão que a janela lhe proporcionava, poucas pessoas estavam andando pelas ruas. Avistou longe seu pai caminhando em direção a um dos portões de saída. Enquanto contemplava o silencio, um canto de algum pássaro penetrou calmamente em sua mente, alguns canários viviam na arvores que cercavam a praça.

Caminhando em direção à cozinha, o cheiro de café coado era um odor que não sentia fazia anos. Ficara cerca de quatro anos sem sentir o agradável gosto de café, desde que não encontrara mais o produto pelas casas abandonadas ou trocadas por outra mercadoria, para sua sorte conseguira de presente do Embaixador  um pouco de café.

Disse o Embaixador, enquanto distribuía café para os conselheiros, que Piratini conseguia café com as repúblicas localizadas na região do antigo Estado de São Paulo, e que como o dinheiro em papel perdera grande parte do seu valor, Piratini trocava gado e produtos de couro por café e outros produtos tropicais.

Enquanto tomava o primeiro gole de café, uma sensação de alívio surgiu em sua mente. Como quase todos adultos dos velhos tempos, era viciado em cafeína. Sentiu o gosto do café em sua boca enquanto cheirava vagarosamente sobre a xícara. Abriu seus olhos e percebeu que sua esposa estava lá, se divertindo com as expressões faciais de Fernando.

Fernando suspirou profundamente.

- Você é feliz Paloma? -

- Díos mio, Fernando. Claro que sou feliz. Que pergunta boba foi essa? -

- Verdadeiramente? Eu me sinto tão ausente com meu pai, minha irmã, mas especialmente com você. Tenho falhado como amigo e companheiro. -

Os olhos de Fernando estavam cheios d’agua.

- Eu... não sei mais o que fazer... Sinto que estou em colapso... -
Paloma pega as mãos de Fernando e as beija.

- Não diga isso querido. Você tem feito coisas maravilhosas por todos nós. Você foi o meu primeiro amigo quando cheguei aqui. Lembra como cheguei aqui? Perdida, confusa, com medo. –

- Você tem sido maravilhosa minha amada. Espero poder ser mais presente com você. –

Paloma deu um sorriso, enquanto ajeitava o cabelo de Fernando que tapava um pouco seus olhos.
- Respire um ar puro amor. –

Enquanto levantava da cadeira, Paloma deu um tapa na bunda de Fernando e disse:
- Se parece a una chica con todo este sentimento. – Dando uma risadinha e uma piscadela para Fernando.

Fernando riu e disse:

-Você é a rocha da relação amor. –

Em algum lugar do noroeste do Rio Grande do Sul, vinte de abril de 2048

Entre as ruínas de uma das inúmeras comunidades rurais abandonadas pelo Rio Grande do Sul, três homens recebiam uma mensagem em código.

Entre escombros de meia dúzia de casas e um colégio rural, um trailer de formato arredondado chamava a atenção. Próximo ao trailer, três barracas individuais estavam montadas, formando um círculo ao redor do trailer.

Na fogueira um pouco afastada, um coelho estava sendo assado, dois dos três homens estavam próximo da fogueira, esperando a comida ficar pronta, enquanto o outro traduzia a mensagem vinda em códigos. Ele não parecia surpreso com a mensagem que vinha. Era um pouco mais de meia dúzia de palavras que davam sua próxima missão.

Seus olhos ficaram pesados, poderia ser o sono ou o arrependimento de ter ingressado na OIPNOM e abandonando sua família, ou uma mistura de ambos. Sua consciência estava tentando decidir se resolveria ajudar como havia prometido uma vez ou iria contribuir para construir a Nova Ordem?
Sua mente estava perdida, uma sucessão de possibilidades agitavam sua mente. Voltou a si com o chamado de um de seus companheiros:

- E então T, o que diz a mensagem?

Exitosamente, T respondeu:

- Companheiros, Pindorama acordou. Devemos nos aproximar e estudar Três de Maio e Horizontina.
Seus dois companheiros de missão vibraram com a notícia. Finalmente poderia fazer algo e contribuir com a causa na qual eles dedicaram anos de vida em uma extensa rede de um submundo de informantes e sabotadores. A maioria de todos os soldados menores da OIPNOM foram recrutados logo após os ataques iniciais onde escapar do pânico, da fome e da possibilidade de morrer foram moedas de troca para obter informações, recursos e controle se tornando agentes da Nova Ordem.

M pegou uma submetralhadora e disparou em direção aos céus.

T simplesmente ignorou o ato e atingiu M com um olhar de desaprovação.

B olhava animadamente para M. B disse:

- Imagine quando vamos finalmente fazer grandes sabotagens e matar pessoas? 

Aquilo era o ápice da dúvida que T tinha sobre o futuro de sua vida. Sem pestanejar pegou entrou no trailer e pegou seu revolver. Sem M e B perceberem, T disparou uma vez em cada um. Mira perfeita. Dois tiros bem no meio da testa.

T olhou para os dois corpos no chão e agora se perguntavam qual seriam os nomes de seus dois antigos companheiros. Só sabiam as iniciais de seus nomes.

Ele se apressou para preparar o acampamento para mudar de lugar, os tiros poderiam ter atraído olhares indesejados nesse momento. Deveria primeiramente enterrar os corpos e partir desse lugar.


Dívidas e promessas deveriam ser pagas.

(Capítulo 7: Lembranças -Parte 1-)

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Capítulo 6: Operação Pindorama - Parte 1-

Brasil, dezenove de abril de 2048

Longe de Horizontina, entre salas e túneis secretos espalhados pela antiga capital dos gaúchos, planos estavam começando a sair do papel. Entre as ruínas da bomba, do incêndio e do abandonado da cidade, algumas chaminés em bom estado destoavam do cenário desolador. Passado-se dez ano das bombas e das sabotagens em larga escala, a inércia da OIPNOM parecia ter acabado.

E não era só em Porto Alegre que chaminés estavam sendo acessas. Em varias partes do país, Entre os escombros de São Paulo, nas capitais inundadas do norte do país e na radioativa cidade do Rio de Janeiros, fuligem começava a se acumular no horizonte. Ninguém ainda havia se aventurado para tentar compreender o que estavam acontecendo.

Muito se se especulava sobre os reais objetivos da organização. Intelectuais dessa nova realidade e a população em geral especulavam em teorias mirabolantes que iam de fanáticos religiosos adoradores de bombas atômicas como naquele velho filme com macacos, conspiração de dominação mundial por uma minoria composta pela antiga elite mundial até conspirações que envolviam a volta de Cristo ou uma iminente invasão alienígena.

Independente de quem fora ou por qual motivo, todos seguiram suas vidas da melhor forma possível. Grandes centros urbanos devastados, economia global colapsado e grande parte da população reduzida em tamanho e orgulho. No Brasil, um país de tamanhos continentais, logo após os primeiros anos do colapso, comunidades se reergueram por todas as partes.

Populações não fixas em suas cidades carroças moviam-se por toda parte entre o nordeste e o centro-oeste do Brasil, pastores que moviam seus rebanhos por todas as pastes e sobrevivendo de escambos com assentamentos permanentes. No norte, onde grande parte da vegetação densa da floresta amazônica sobreviveu, pequenas tribos se espalhavam entre as ruínas de antigas cidades que colapsaram após os primeiro meses depois do apocalipse, vivendo de caça e colheita.

Em algumas regiões do Brasil, verdadeiros novos Estados surgiram suprindo a vaga que foi deixada após o colapso de Brasília e das instituições. No nordeste, cidades-estados fortificadas espalharam-se entre as regiões férteis e chegando às margens dos desertos que se espalharam entre as antigas zonas áridas do sertão. O messianismo, que fora um movimento popular e religioso comum nos fins do século XIX e início do XX no Brasil, retornara com força.

No centro-oeste, a grande Confederação de Alto Paraíso, composta por cidades-estados da região da Chapada dos Veadeiros havia recentemente se unido, criando um exército e leis unitárias visando sua sobrevivência contra os vizinhos beligerantes da Nova República de Goiás, ao sul e o Estado de Araguaia.

No sudeste existiam inúmeros pequenos feudos, estados e comunas rurais. Entre essas se destacavam as “Oito Repúblicas”, dois reinos e um império. A maioria desses Estados vivia em alianças e guerras quase que ininterruptas entre si. Desses Estados, dois se destacavam pela relativa paz entre seus vizinhos. O Império do Brasil e a Cidade Santa de Aparecida.

As “Oito Repúblicas”, eram Estados relativamente democráticos, cujas fronteiras aumentavam ou diminuíam conforme os avanços e recuos dos aliados ou dos inimigos. Duas das Repúblicas, a República de Americana e a República de Piracicaba eram as duas mais ricas das nações, estas influenciavam toda a região paulista. Com relativa densidade populacional advinda do colapso da região metropolitana paulista, a reconstrução da vizinhança atingida por bombas e por incêndios foram rapidamente recuperadas.

O Império do Brasil, revindicava a soberania de todo o antigo território nacional. O atual imperador era um descendente direto do último imperador do país, sua Majestade Imperial Dom Pedro II. Controlava boa parte do interior do Estado do Rio de Janeiro. A capital era a cidade de Petrópolis que foi parcialmente reconstruída após a estabilização da região. Toda a região metropolitana do Rio de Janeiro era uma região contaminada pela radiação resultante das Usinas Nucleares de Angra I, II e III.

A Cidade Santa de Aparecida é um Estado teocrático, onde as decisões políticas são realizadas por um grupo de padres e membros do clero local. O líder da nação é o arcebispo da região. Segundo a história, a bomba que foi plantada na cidade, não foi acionada e isto foi visto como milagres de deus que decidiu poupar a cidade. Hoje a Cidade Santa domina toda a região de Guaratinguetá.

O Império mesmo tendo um arsenal militar respeitável, buscava expandir naturalmente suas fronteiras, tendo vários pequenas cidades que se uniram de boa vontade as fronteiras imperiais.
Ao sul do Brasil, as regiões de Santa Catarina e Paraná vivem praticamente em estado de anarquia, devido ao grande número de refugiado paraguaios e argentinos que cruzaram a fronteira depois dos primeiros meses. Pequenas comunidades rurais fechadas ao mundo exterior são facilmente encontradas por essas regiões. Uma exceção é a Confederação de Contestado, cujas fronteiras se assemelham a antiga divisão estadual de nome semelhante.

No Rio Grande do Sul, temos a formação do Governo Provisório Gaúcho, ou como é conhecido popularmente, República Piratini. Esse Estado reivindica a totalidade do antigo Estado gaúcho. 

Embora não tenha nenhum outro Estado que clama o direito de sucessor, algumas regiões não estão de controle direto de Piratini, como as regiões de fronteira com o Rio Uruguai e regiões que foram bombardeadas no centro-oeste do Estado, onde o processo de desertificação foi intensificado e senhores de guerra aterrorizam os habitantes locais.

Uma coisa que é igual para todos, em todo o Brasil, é o litoral. Nenhum Estado possui controle direto de um porto ou acesso ao mar. O tabu com os mares se deve ao controle direto que a OIPNOM detém em cidades litorâneas, portos e praias naturais em pontos estratégicos. Embora o controle não seja feito diretamente por um exército de soldados, a organização dispõem de milhares de drones militares e sensores de movimentos espalhados.

No Rio de Janeiro, as usinas dessalinizadoras que a OIPNOM havia construído para seu uso próprio funcionavam a pleno vapor. As turbinas giravam em alta velocidade enquanto a água era sugada da Baia de Guanabara, levadas ao subterrâneo onde era tratada para remover impurezas e radioatividade da água. A cidade estava relativamente conservada, visto que a cidade não foi alvo de bombas, a quase totalidade da infraestrutural estava minimamente operando em condições razoáveis.

Em uma grande sala de reuniões que ficava dentro de um dos inúmeros túneis ocupados pela organização, o Tenente Gertz estava sentado em sua cadeira de couro preta aguardando contatos com os comandantes regionais da OIPNOM. Depois de anos esperando a decisão de seus superiores, Gertz estava ansioso para transmitir novas ordens.

Antes de ele ser tenente. Antonio Gertz, era um professor brilhante, especialista no Brasil engenharia nuclear e era diretor de uma das usinas nucleares de angra. Ele fora recrutado pela organização ainda em 2032, seis anos antes dos planos iniciais começarem. Sua tarefa foi relativamente simples quando tudo começou a ir para os ares. Ele deveria sabotar as usinas nucleares, abrindo caminho para uma contaminação radioativa de toda a região metropolitana do Rio de Janeiro.

Seus cabelos loiros, que hoje em dia eram ralos, eram ocultados por um quepe militar que ele usava todos os dias. Embora seu papel era de intermediador entre os líderes da organização no Brasil e os comandantes regionais, ele deveria ser um dos poucos que conheceram pessoalmente a liderança.

Enquanto olhava sua imagem refletida num painel que indicava o nível de radiação no ar da cidade, uma a uma das telas com os comandantes regionais se conectaram. Uma das vantagens de possuir grandes especialistas nas mais diversas áreas possibilitou a conexão e a comunicação de varias unidades militares e de operações interligados numa grande rede regional.

Os nove comandantes regionais preencheram a tela principal da sala de comando do Tenente. Porto Alegre, Belém, Curitiba, Goiânia, São Paulo, Campo Grande, Belo Horizonte, Salvador e Aracaju estavam conectados. Todos estavam em silencio esperando as palavras do Tenente. Gertz olhava novamente para o memorando que trazia junto ao seu tablet.

Leu novamente as pautas e olhou novamente para os comandantes e disse:

-Confrades, estamos aqui para resolver assuntos sérios. Hoje será uma reunião longa, espero depois dessa reunião o envio do relatório semanal das atividades.

-O primeiro tema é sobre o inicio da terceira fase das operações da nossa nobre organização. Vamos começar hoje, após a meia noite a Operação Pindorama. Os indígenas chamavam as terras brasileiras de Pindorama uma terra sem maldades, de pureza, de paz. Quando nossos antepassados trouxeram a civilização para esses bárbaros, o litoral foi o primeiro lugar colonizado e permaneceu assim por muito tempo.

-Amigos, hoje é o dia de reformarmos Pindorama novamente. A fase de permanecermos quase todos no litoral já durou o suficiente. Tivemos avanços no interior que já não podem ser mais ignorado por nossos superiores. Conseguimos nos estabelecermos, nos fortificarmos e de recrutar mais pessoas. Hoje no Brasil, temos inúmeras nações que se auto declaram sucessoras do país, que prometem trazer falsa paz e falsa estabilidade, mas só trazem cobiça e o desejo pelo poder.

-Hoje amigos, é o dia de avançarmos pelas ruínas de Pindorama. Eliminar os falsos protetores, falsos líderes. Demos muito tempo de paz para esses bárbaros. Preparem as tropas móveis, unidades drones e os regimentos mecanizados. Como nossos antepassados bandeirantes, vamos conquistar o país. É a hora de todos lembrarem o que é a OIPNOM!


Enquanto a reunião continuava dentro dos salões da OIPNOM por todo o país, no Rio de Janeiro, armazéns perto da baia abriam lentamente suas portas enferrujadas. Enquanto os raios de sol banhavam pela primeira vez em anos dentro desses lugares, memórias dos velhos tempos se tornavam nítidas. Dezenas de Jipes e tanques esperavam ordens. O silencio na antiga cidade maravilhosa era interrompido enquanto uma dúzia de helicópteros sobrevoavam os céus cariocas próximos ao Cristo Redentor.

(Capítulo 6: Operação Pindorama -Parte 2-)