quinta-feira, 23 de julho de 2015

Capítulo 6: Operação Pindorama - Parte 1-

Brasil, dezenove de abril de 2048

Longe de Horizontina, entre salas e túneis secretos espalhados pela antiga capital dos gaúchos, planos estavam começando a sair do papel. Entre as ruínas da bomba, do incêndio e do abandonado da cidade, algumas chaminés em bom estado destoavam do cenário desolador. Passado-se dez ano das bombas e das sabotagens em larga escala, a inércia da OIPNOM parecia ter acabado.

E não era só em Porto Alegre que chaminés estavam sendo acessas. Em varias partes do país, Entre os escombros de São Paulo, nas capitais inundadas do norte do país e na radioativa cidade do Rio de Janeiros, fuligem começava a se acumular no horizonte. Ninguém ainda havia se aventurado para tentar compreender o que estavam acontecendo.

Muito se se especulava sobre os reais objetivos da organização. Intelectuais dessa nova realidade e a população em geral especulavam em teorias mirabolantes que iam de fanáticos religiosos adoradores de bombas atômicas como naquele velho filme com macacos, conspiração de dominação mundial por uma minoria composta pela antiga elite mundial até conspirações que envolviam a volta de Cristo ou uma iminente invasão alienígena.

Independente de quem fora ou por qual motivo, todos seguiram suas vidas da melhor forma possível. Grandes centros urbanos devastados, economia global colapsado e grande parte da população reduzida em tamanho e orgulho. No Brasil, um país de tamanhos continentais, logo após os primeiros anos do colapso, comunidades se reergueram por todas as partes.

Populações não fixas em suas cidades carroças moviam-se por toda parte entre o nordeste e o centro-oeste do Brasil, pastores que moviam seus rebanhos por todas as pastes e sobrevivendo de escambos com assentamentos permanentes. No norte, onde grande parte da vegetação densa da floresta amazônica sobreviveu, pequenas tribos se espalhavam entre as ruínas de antigas cidades que colapsaram após os primeiro meses depois do apocalipse, vivendo de caça e colheita.

Em algumas regiões do Brasil, verdadeiros novos Estados surgiram suprindo a vaga que foi deixada após o colapso de Brasília e das instituições. No nordeste, cidades-estados fortificadas espalharam-se entre as regiões férteis e chegando às margens dos desertos que se espalharam entre as antigas zonas áridas do sertão. O messianismo, que fora um movimento popular e religioso comum nos fins do século XIX e início do XX no Brasil, retornara com força.

No centro-oeste, a grande Confederação de Alto Paraíso, composta por cidades-estados da região da Chapada dos Veadeiros havia recentemente se unido, criando um exército e leis unitárias visando sua sobrevivência contra os vizinhos beligerantes da Nova República de Goiás, ao sul e o Estado de Araguaia.

No sudeste existiam inúmeros pequenos feudos, estados e comunas rurais. Entre essas se destacavam as “Oito Repúblicas”, dois reinos e um império. A maioria desses Estados vivia em alianças e guerras quase que ininterruptas entre si. Desses Estados, dois se destacavam pela relativa paz entre seus vizinhos. O Império do Brasil e a Cidade Santa de Aparecida.

As “Oito Repúblicas”, eram Estados relativamente democráticos, cujas fronteiras aumentavam ou diminuíam conforme os avanços e recuos dos aliados ou dos inimigos. Duas das Repúblicas, a República de Americana e a República de Piracicaba eram as duas mais ricas das nações, estas influenciavam toda a região paulista. Com relativa densidade populacional advinda do colapso da região metropolitana paulista, a reconstrução da vizinhança atingida por bombas e por incêndios foram rapidamente recuperadas.

O Império do Brasil, revindicava a soberania de todo o antigo território nacional. O atual imperador era um descendente direto do último imperador do país, sua Majestade Imperial Dom Pedro II. Controlava boa parte do interior do Estado do Rio de Janeiro. A capital era a cidade de Petrópolis que foi parcialmente reconstruída após a estabilização da região. Toda a região metropolitana do Rio de Janeiro era uma região contaminada pela radiação resultante das Usinas Nucleares de Angra I, II e III.

A Cidade Santa de Aparecida é um Estado teocrático, onde as decisões políticas são realizadas por um grupo de padres e membros do clero local. O líder da nação é o arcebispo da região. Segundo a história, a bomba que foi plantada na cidade, não foi acionada e isto foi visto como milagres de deus que decidiu poupar a cidade. Hoje a Cidade Santa domina toda a região de Guaratinguetá.

O Império mesmo tendo um arsenal militar respeitável, buscava expandir naturalmente suas fronteiras, tendo vários pequenas cidades que se uniram de boa vontade as fronteiras imperiais.
Ao sul do Brasil, as regiões de Santa Catarina e Paraná vivem praticamente em estado de anarquia, devido ao grande número de refugiado paraguaios e argentinos que cruzaram a fronteira depois dos primeiros meses. Pequenas comunidades rurais fechadas ao mundo exterior são facilmente encontradas por essas regiões. Uma exceção é a Confederação de Contestado, cujas fronteiras se assemelham a antiga divisão estadual de nome semelhante.

No Rio Grande do Sul, temos a formação do Governo Provisório Gaúcho, ou como é conhecido popularmente, República Piratini. Esse Estado reivindica a totalidade do antigo Estado gaúcho. 

Embora não tenha nenhum outro Estado que clama o direito de sucessor, algumas regiões não estão de controle direto de Piratini, como as regiões de fronteira com o Rio Uruguai e regiões que foram bombardeadas no centro-oeste do Estado, onde o processo de desertificação foi intensificado e senhores de guerra aterrorizam os habitantes locais.

Uma coisa que é igual para todos, em todo o Brasil, é o litoral. Nenhum Estado possui controle direto de um porto ou acesso ao mar. O tabu com os mares se deve ao controle direto que a OIPNOM detém em cidades litorâneas, portos e praias naturais em pontos estratégicos. Embora o controle não seja feito diretamente por um exército de soldados, a organização dispõem de milhares de drones militares e sensores de movimentos espalhados.

No Rio de Janeiro, as usinas dessalinizadoras que a OIPNOM havia construído para seu uso próprio funcionavam a pleno vapor. As turbinas giravam em alta velocidade enquanto a água era sugada da Baia de Guanabara, levadas ao subterrâneo onde era tratada para remover impurezas e radioatividade da água. A cidade estava relativamente conservada, visto que a cidade não foi alvo de bombas, a quase totalidade da infraestrutural estava minimamente operando em condições razoáveis.

Em uma grande sala de reuniões que ficava dentro de um dos inúmeros túneis ocupados pela organização, o Tenente Gertz estava sentado em sua cadeira de couro preta aguardando contatos com os comandantes regionais da OIPNOM. Depois de anos esperando a decisão de seus superiores, Gertz estava ansioso para transmitir novas ordens.

Antes de ele ser tenente. Antonio Gertz, era um professor brilhante, especialista no Brasil engenharia nuclear e era diretor de uma das usinas nucleares de angra. Ele fora recrutado pela organização ainda em 2032, seis anos antes dos planos iniciais começarem. Sua tarefa foi relativamente simples quando tudo começou a ir para os ares. Ele deveria sabotar as usinas nucleares, abrindo caminho para uma contaminação radioativa de toda a região metropolitana do Rio de Janeiro.

Seus cabelos loiros, que hoje em dia eram ralos, eram ocultados por um quepe militar que ele usava todos os dias. Embora seu papel era de intermediador entre os líderes da organização no Brasil e os comandantes regionais, ele deveria ser um dos poucos que conheceram pessoalmente a liderança.

Enquanto olhava sua imagem refletida num painel que indicava o nível de radiação no ar da cidade, uma a uma das telas com os comandantes regionais se conectaram. Uma das vantagens de possuir grandes especialistas nas mais diversas áreas possibilitou a conexão e a comunicação de varias unidades militares e de operações interligados numa grande rede regional.

Os nove comandantes regionais preencheram a tela principal da sala de comando do Tenente. Porto Alegre, Belém, Curitiba, Goiânia, São Paulo, Campo Grande, Belo Horizonte, Salvador e Aracaju estavam conectados. Todos estavam em silencio esperando as palavras do Tenente. Gertz olhava novamente para o memorando que trazia junto ao seu tablet.

Leu novamente as pautas e olhou novamente para os comandantes e disse:

-Confrades, estamos aqui para resolver assuntos sérios. Hoje será uma reunião longa, espero depois dessa reunião o envio do relatório semanal das atividades.

-O primeiro tema é sobre o inicio da terceira fase das operações da nossa nobre organização. Vamos começar hoje, após a meia noite a Operação Pindorama. Os indígenas chamavam as terras brasileiras de Pindorama uma terra sem maldades, de pureza, de paz. Quando nossos antepassados trouxeram a civilização para esses bárbaros, o litoral foi o primeiro lugar colonizado e permaneceu assim por muito tempo.

-Amigos, hoje é o dia de reformarmos Pindorama novamente. A fase de permanecermos quase todos no litoral já durou o suficiente. Tivemos avanços no interior que já não podem ser mais ignorado por nossos superiores. Conseguimos nos estabelecermos, nos fortificarmos e de recrutar mais pessoas. Hoje no Brasil, temos inúmeras nações que se auto declaram sucessoras do país, que prometem trazer falsa paz e falsa estabilidade, mas só trazem cobiça e o desejo pelo poder.

-Hoje amigos, é o dia de avançarmos pelas ruínas de Pindorama. Eliminar os falsos protetores, falsos líderes. Demos muito tempo de paz para esses bárbaros. Preparem as tropas móveis, unidades drones e os regimentos mecanizados. Como nossos antepassados bandeirantes, vamos conquistar o país. É a hora de todos lembrarem o que é a OIPNOM!


Enquanto a reunião continuava dentro dos salões da OIPNOM por todo o país, no Rio de Janeiro, armazéns perto da baia abriam lentamente suas portas enferrujadas. Enquanto os raios de sol banhavam pela primeira vez em anos dentro desses lugares, memórias dos velhos tempos se tornavam nítidas. Dezenas de Jipes e tanques esperavam ordens. O silencio na antiga cidade maravilhosa era interrompido enquanto uma dúzia de helicópteros sobrevoavam os céus cariocas próximos ao Cristo Redentor.

(Capítulo 6: Operação Pindorama -Parte 2-)

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Capítulo 5: Os Novos Velhos Tempos - Parte 2 -

Horizontina, dezenove de abril de 2048

Esse dia foi mais um daqueles raros dias atípicos na história dos moradores de Horizontina desde o começo de tudo. Depois de dez anos de abandono do governo estadual e federal, uma comitiva do Governo Provisório Gaúcho estava chegando. Essa comitiva estivera rodando o Estado em busca de sobreviventes e de comunidades para dar a sensação de unidade e de esperança entre o povo gaúcho.

O vice-governador do Estado, Arthur Biancchinni, estava fora da cidade de Porto Alegre quando tudo aconteceu. Nos primeiros dias de caos, a pouca comunicação com o Governo Federal tornou tudo pior. Quando tudo caia os Estados se tornaram responsáveis pelas funções que anteriormente cabiam aos órgãos federais. Porto Alegre fora atingida por um dispositivo nuclear e com o governador morto, o Estado estava entregue ao caos.

Biancchinni fora encontrado numa pequena cidade próxima a Porto Alegre por um regimento do exercito que estava estacionado próximo a Sapiranga. De Sapiranga, o exército, junto com funcionários públicos e outros populares seguiram a pé, descendo o Rio Grande do Sul, chegando até a cidade de Piratini.

Piratini em tempos antigos fora a capital dos gaúchos durante a Revolução Farroupilha. A escolha não poderia ter sido melhor nesses tempos, representava uma nova oportunidade, um recomeço. Arthur Biancchinni foi empossado em Piratini como Governador de todo o Rio Grande do Sul por tempo indeterminado.

Antes de chegar a Horizontina, o regimento saindo de Carazinho passou por outras comunidades que sobreviveram e resistiram nesses dez anos. Três de Maio recebeu as tropas um dia antes, reconhecendo Biancchinni líder legítimo do Estado e o Governo Provisório Gaúcho como unidade política sucessora do antigo Brasil e do Rio Grande do Sul.

Era logo após o meio dia, trombetas tocavam fora dos portões da cidade. Toda a população da cidade esperava a entrada do regimento. Bandeiras coloridas estavam espalhadas pelas ruas. O portão que cortava a cidade em direção da avenida principal foi aberta. Dois cavalarianos entraram portando cada um uma bandeira, a bandeira era familiar para qualquer um que já tinha visto alguma vez a bandeira do Estado do Rio Grande do Sul, mas esta somente tinha as cores tradicionais, verde, vermelho e amarelo, sem o brasão do Estado.

Enquanto a população batia palmas enquanto os cavalarianos entravam pelo portão, o prefeito e seus conselheiros esperavam no meio da rua a cerca de 200 metros do portão a delegação. Eram cerca de 25 pessoas montadas a cavalo, vestido uniformes militares e portando cada um um longo sabre e armas de fogo. Logo após esses militares, uma carroça guarnecida por mais quatro soldados entraram nos portões. Esses quatros vestiam igualmente uniforme militar, ligeiramente mais escuro e portavam armas de grosso calibre.

As pessoas atiravam flores e papel picado nos soldados, enquanto palmas e gritos eram ouvidos. No meio dos militares, uma única pessoa se diferenciava entre os uniformes e os quepes militares. Um senhor de cerca de 50 anos, usando trajes formais e usando um chapéu fedora. Uma militar que estava do lado do senhor, desceu de seu cavalo e ajudou o senhor a descer do seu cavalo.

Enquanto os soldados seguravam as rédeas de seus cavalos, o senhor aproximou-se em direção do prefeito. Humberto usava um traje formal que parecia que pouco fora usado durante toda a sua vida como prefeito. Usava por cima do terno preto uma faixa branca, seu bigode estilo morsa que era sua marca a muitos anos, havia sido aparado por sua esposa.

Os policiais de Horizontina estavam no alto de algumas construções, vigiando o local, juntamente com os vigilantes da muralha que obervavam tudo. Carlos estava com sua câmera fotográfica pronta para registrar o momento histórico. Um aperto de mãos e troca de sorrisos.

O primeiro a falar foi o prefeito:

- Embaixador Lopes eu presumo. –

- Meus cumprimentos pela calorosa boas vindas. É muito bom saber que existem povoados bem estabelecidos perto da fronteira. Até algum tempo atrás achávamos que toda essa região fronteiriça tivesse sido arrasada pelas imigrações. -

Tirando o seu chapéu, o senhor olhou pelas fachadas bem preservadas dos prédios localizados dentro da muralha. A população eufórica esperava algumas palavras que com certeza deveriam ser ditas mais tarde. Todos esperavam desde o começo dos problemas uma solução, um recomeço, uma esperança.

-Prefeito, me chame somente de Roberto. A palavra embaixador é muito inapropriada para mim. Embora esse seja meu cargo dentro das funções governativas, se usa, ou melhor, usava a palavras embaixador para com nações estrangeiras. Nós não somos invasores ou estrangeiros, somo todos gaúchos acima de qualquer divisão que o caos tenha criado.

As pessoas que vieram para ver a chegada daqueles militares de Piratini começavam a se dispersar e retornando nos seus afazeres cotidianos. Ao longe Paloma segurava um cesto vazio, onde anteriormente estava cheio de papéis picados. Segurando o cesto com uma mão, acenava ao longe para Fernando. Fernando observava sua amada. Seus longos cabelos ruivos estavam suavemente balançando conforme o vento, a única coisa que permanecia imóvel era um pequeno girassol que ela havia colocado em seu cabelo.

Enquanto o prefeito e o embaixador iam à frente conversando, os conselheiros e alguns militares acompanhavam o cortejo até a prefeitura onde inicialmente ocorreriam algumas conversas mais formais para que depois o grupo de visitantes conhecesse a cidade e os seus campos produtivos.

Na frente da prefeitura, o padre Juarez e JH esperava pela chegada da comitiva. Nos dias que antecederam a visita da delegação, a hospedaria não aceitara novos hóspedes. Tudo tinha que estar perfeito para a chegada dos visitantes. Uma exceção nos dias que o pessoal de Piratini estivesse por aqui, carne vermelha voltou ao cardápio e a imaginação de todos para degustar de um churrasco a moda antiga.

 João Henrique trabalhou duro nos últimos dias. Contou com a ajuda do seu velho amigo Juarez. Embora o padre tivesse seus fieis para aconselhar e a paróquia para cuidar, sempre se dispôs a ajudar a todos. Juarez vestia sua batina preta, acompanhando no pescoço um escapulário e uma cruz.


Enquanto alguns soldados se posicionavam fora da prefeitura, O prefeito e o embaixador, acompanhado por Fernando e uma soldada de Piratini subiam as escadas indo em direção a sala do prefeito. Lá dentro, o futuro da cidade iria ser decidido. 

(Capítulo 6: Operação Pindorama -Parte 1-)