Piratini,
Capital Federal, dez de maio de 2048
-Por favor, Senhor
Presidente, fique mais alguns minutos nessa posição. - comentou o pintor
enquanto olhava para o quadro e para Arthur, escolhendo o próximo tom de cor na
sua palheta.
Os dias estiveram
calmos em Piratini desde as ultimas prisões de pessoas suspeitas de pertencerem
a OIPNOM, há pouco mais de um mês. Três suspeitos foram encontrados em suas
casas com plantas de prédios governamentais e grande quantia de explosivos,
além de acusados de espalhar boatos que estes estavam inflamando a população de
fora dos muro das cidade a se revoltarem contra o governo.
Arthur Biancchinni
respirava impaciente, incomodado com a posição que escolhera para ser
eternizado no quadro. Se pudesse escolher novamente, escolheria uma posição
onde pudesse ficar sentado e não uma onde em pé segurava a constituição da
República, vestindo a roupa padrão dos governadores do Estado e a faixa
tricolor representado as cores da nação.
-Se me pe-pe-permite
Senhor Presidente- gaguejou o pintor,- gostaria de adicionar na pintura alguns
elementos da cultura gaúcha no fundo do quadro.-.
-Sou a favor dessa
ideia, Antônio- comentou Arthur enquanto observava a sua pose no reflexo de um
grande espelho que cobria uma das paredes do cômodo, - mas creio que antes
devemos escolher esses símbolos. Afinal somos nós, sobreviventes que moldaremos
esse novo futuro, certo? -
O pintor concordou com
a cabeça e continuou a pintura. Depois de alguns minutos, o artista resolveu dar uma retocada em alguns pontos já prontos do quadro e liberou o Presidente.
Arthur saiu
apressadamente do cômodo, alongando os braços saiu em direção ao gabinete
presidencial. Passou por dúzias de funcionários públicos, alguns membros do
alto escalão do exército e um ou outro membro da elite econômica da Capital.
Todos tentavam cumprimentar o Presidente, que raramente saia de seu gabinete ou
da sala de reuniões. Havia muito que fazer ainda para a vida a voltar ao
normal.
-Senhor Presidente!-
-Senhor Presidente!-
Arthur parou a cerca de
5 metros de seu gabinete, onde os dois guardas já haviam aberto a porta para a
sua entrada.
-Senhor Presidente!-
O secretário, era um
jovem de vinte e poucos anos, sendo filho de um dos grandes donos de estâncias
da região, foi uma forma de agradecimento do Presidente pelos serviços
prestados pelo seu pai na época da transferência da capital para Piratini.
-Vamos lá filho- disse
o Presidente, - meu tempo está curtíssimo hoje. –
-Por isso mesmo Senhor
Presidente. Você tem uma visita não agendada lhe esperando dentro do seu
gabinete. -.
-Mas quem é que pensa
que pode entrar aqui, sem agendamento ou convite?- Respondeu indignado Arthur
-E vocês guardas,
porque não barraram a entrada?- Antes de dizer mais algumas palavras, ele
observou a figura próxima à janela dentro do gabinete presidencial e reconheceu
quem era. Respirou fundo, e adentrou dentro do gabinete. Sem esperar pelo
movimento dos guardas, eles mesmo fechou a porta.
-É uma joia rara essa
cidade, não é mesmo? De todas as novas capitais, creio que só Petrópolis seja
mais organizada que Piratini. - falou o senhor de chapéu que observava pela
janela o movimento na rua central da capital.
-Temos ainda muito que
fazer, praticamente recomeçamos do zero, Jorge.- Observou Arthur.
-Não, na verdade teriam
recomeçado do zero se não tivessem me ouvido semanas antes de tudo acontecer.
Ai sim estariam tão perdidos e fragmentados quanto o resto do Brasil.- retrucou
o senhor que acabara de tirar o chapéu e o colocou sobre uma escrivaninha.
Uma troca de sorrisos e
logo após um abraço de dois amigos que não se viam a muito tempo. O senhor de
chapéu era um antigo Coronel aposentado do exército que quando percebeu que as
ameaças do apocalipse eram verdadeiras, preparou um plano de evacuação nas
principais cidades brasileiras e de armazenamento de recursos materiais
necessários para a construção de fortalezas capazes de proteger os
sobreviventes, e de pessoas consideradas indispensáveis para tirar o Brasil
rapidamente da idade das trevas que surgiria após o holocausto nuclear.
Todos consideraram os
planos do Coronel uma piada de péssimo gosto, um plano megalomaníaco sem
qualquer capacidade de dar certo. O Presidente do Brasil nunca se importou em
ler os planos de contingência, mas alguns membros do alto escalão vazaram os
documentos e um destes chegou às mãos do Governador do Estado do Rio Grande do
Sul, Luiz Eduardo Gomes.
Quando o dia chegou, o
velho Coronel Jorge Fonseca encontrou o atordoado novo Governador Arthur
Biancchinni em Sapiranga e comunicou de todos os planos que foram secretamente
começados duas semanas antes das bombas caírem. Cerca de 5 mil pessoas foram
transferidas para Piratini, além de toneladas de alimentos e uma grande
quantidade de armas, combustíveis e de materiais de construção.
-Já se passaram quase
seis anos desde a sua última visita, Coronel. Muita coisa mudou como eu creio
que já deve ter visto no seu caminho até aqui. –
-Sim, meu caro
Presidente- Arthur percebeu o tom irônico quando o coronel pronunciou a palavra
Presidente. –mas vim aqui representando um poder maior. Nessas minhas
caminhadas por todo o Brasil, vi centenas de comunidades prosperando em terras
desoladas, e algumas haviam saído já da sobrevivência básica e já haviam
partido para a expansão. -
-O sudeste brasileiro
está convulsionando em batalhas campais entre as maiores cidades e seus vassalos,
e estas, às vezes se unem quando o inimigo é maior.
-Nesse caso, seria a
OIPNOM?- questionou Arthur.
-Geralmente sim,
Arthur,- respondeu o coronel – mas também vale quando o se fala do Império.
Tive oportunidade de viver um tempo na corte em Petrópolis, e o que as auto
proclamadas Oito Repúblicas reconhecem, é que o Império tem os maiores recursos
militares que sobreviveram do apocalipse. O que falta para nós é um maior
número de pessoas.
-Os conflitos começaram
recentemente com trocas de acusações de espionagem e sabotagens, mas nada
oficialmente comprovado. Mas alguns observadores leais ao Imperador o alertaram
que movimentos da OIPNOM foram confirmados por toda a cidade de Rio de Janeiro,
e que ironicamente alguns dias após isso, começaram as sabotagens e pequenos
delitos por toda a região.
Arthur ouvia
atentamente as palavras proferidas por Jorge. Não haviam muitas informações de
fora que pudesse ser dignas de oficiais ou que parecessem como tais, geralmente
vinham com os comerciantes e contadores de história, em forma de histórias que
alguém contou para outro, que contou para outro e assim por diante.
Arthur sentou-se em sua
cadeira e acendeu um charuto.
-Quer um charuto Coronel?-
perguntou Arthur estendendo-lhe um charuto.
Jorge simplesmente ignorou a oferta e esperou o Governador guardar o charuto de volta na sua escrivaninha.
-Onde eu estava mesmo?-
questionou-se o Coronel. -Me lembrei- suspirou.
-O Imperador então
mandou seus diplomatas para as maiores nações vizinhas para alertá-los dessa
movimentação, para que todos reforcem seus esquemas de segurança e que possam
logo, formar uma agenda de debatas para resolver a questão da OIPNOM de uma vez
por todas.
-E eu, com o
conhecimento que tenho do Governo Provisório Rio-Grandense, me ofereci para ser
o porta voz do imperador para com você como representante geral do povo gaúcho.
É bem simples. Trouxe alguns documentos com informações que você pode lê-los e
decidir depois se são verdades ou mentiras.
Arthur olhava
desconfiado para o Coronel que aguardava pacientemente por algumas palavras ou
gestos de aceite da proposta.
Ele levantou-se da cadeira
e andou em direção a grande janela de seu escritório. A rua de frente estava
movimentada por todo tipo de gente, o som de inúmeras vozes e das buzinas das
charretes e do relinchar dos cavalos. Tudo o que fora construído, tudo que fora
preservado poderia simplesmente ser mantido ou destruído, dependendo se ele
lesse ou não esses documentos.
O Presidente da
República não disse nada. Caminhou em direção ao Coronel e estendeu-lhe a mão.
Era um caminho sem volta. Essa ajuda de bom grado do Império estava altruísta
demais para ele, mas não poderia recusar. A partir desse ponto, as coisas
seriam diferentes para Arthur Biancchinni e para toda Piratini.
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