Horizontina,
dezoito de fevereiro de 2038.
Os primeiros dias foram
de buscar suprimentos nas casas próximas. JH havia criado algumas regras para
sua família, no qual explicava o que deveria procurar e como agir diante de
contato com outras pessoas.
Num quadro de giz
estava escritos as quatro principais regras:
-Saia sempre
acompanhado;
-Leve um apito,
lanterna e o contador geiger;
-Não fique muito tempo
na rua ou numa casa;
-Se na casa escolhida
tiver pessoas, não leve nada.
As casas mais próximas
estavam vazias. Os carros haviam sumido das garagens. JH havia escolhido sua
filha para ir à primeira busca com ele. Beatriz ficara muito abatida e
estressada naquele tempo presa dentro um cubículo praticamente sem privacidade.
Agora seria uma boa hora para JH levar sua filha para fora da zona de conforto
que ele mesmo havia criado.
A primeira casa que
foram vasculhar era uma residência de dois pisos, que fica de frente para sua
casa. De uma janela, Fernando observava esperando qualquer pedido de ajuda.
Fernando se lembrava do tempo que brincava na rua com os dois filhos dos
vizinhos que moravam naquela casa. -Estariam
mortos nesse momento ou teriam sobrevivido em algum lugar? -Pensou.
Quantos amigos,
familiares e pessoas que ele conhecera durante a vida estariam vivos? Quem
teria escapado das bombas, sobreviveria com a falta de comida que chegaria? E o
primeiro inverno? Essas questões martelavam sua cabeça. Ele fechou os olhos e
disse para si mesmo: Quando eu abrir os olhos, estarei na minha cama. Tudo foi
um pesadelo terrível. Abriu os olhos e continuava vendo sua irmã na casa a
frente.
Enquanto Fernando
divagava, Amélia chegou e abraçou o filho. Era a primeira vez em anos que sua
mãe tinha o visto chorar. Mães compreendem os filhos mesmo sem eles abrirem a
boca. A dor de Fernando iria passar, ele só precisava de tempo.
Amélia virou o rosto do
filho em sua direção, beijou a sua testa e disse: - Mamãe ama você, esta bem?-
Na casa dos vizinhos, parecia que tinha ocorrido um
furacão. Objetos caídos, folhas mortas e muitos insetos invadiram o local. O
cheiro de umidade inundava o ambiente. Parece que os vizinhos saíram às pressas
de casa, a sala espaçosa com dois sofás, lareira e quadros se encontravam
vazia. JH chegou perto de uma coleção de quadros que ficava em cima da lareira,
mesmo com a poeira ele conhecia aqueles quadros.
As fotos dos dois filhos do casal em diferentes idades
preenchiam aqueles quadros. JH se lembrava do tempo que vinha aqui com sua
esposa jogar canastra com Henrique e Bruna todas as quintas feiras. Embora não
fosse um jogador nato, ele e Amélia se saiam bem contra o casal vizinho. Nesses
dias alegres a rua era cheia de som de crianças brincando com bola ou somente
correndo uma atrás da outra. Tempos que
não vão voltar, pensou JH.
Na sala havia uma mala que tinha sido deixada para
trás, provavelmente na pressa esqueceram-se de levar junto. Beatriz vasculhou a
mala em busca de algo necessário, buscou em vão. Na mala só havia algumas
roupas e alguns quadros antigos.
Tirando o tapete, a televisão presa na parede e a
sujeira, não tinha mais nada de interesse na sala. Depois da sala havia um
corredor com três portas e no fim uma escadaria que levava para o segundo
andar. João e Beatriz entraram no corredor semi-iluminado que novamente se
encontrava cheio de quadros e pôster de diversos tipos.
-Beatriz, olhe os cômodos daqui de baixo que eu olho
os quartos.-
Antes de ela dizer algo, seu pai já havia subido as
escadas.
Beatriz olhou para a primeira porta que ficava do
lado esquerdo, lembrava que ali ficava o banheiro. Entrou no banheiro social e
não encontrou nada de útil além de uma embalagem de band-aid. Enquanto Beatriz
saiu do banheiro ouviu um barulho estranho vindo de cima.
-Pai?- Gritou Beatriz. Sem resposta, resolveu ir até
a cozinha procurar alguma coisa que pudesse servir como arma. Procurando entre as
gavetas achou uma faca de cortar carne que seria útil caso precisasse usar.
Segurando a faca , decidiu subir as escadas.
Subiu lentamente as escadas, desviando das teias e de
qualquer objeto que pudesse fazer algum barulho. No segundo andar, o silencio
era total. O único barulho era o vento que batia com força na casa. Andou mais alguns
passos. O silencio era total.
-Pai?- Falou baixinho.
Sons de passos vinham em sua direção. Uma pessoa, que
ela conhecera há muito tempo atras parecia diferente, doente. Era Pedro, um dos
filhos do casal donos da casa.
-Pedro? O que houve com você?- Abaixou a faca, esperando
uma resposta.
Antes de conseguir uma resposta, Pedro corria em sua
direção.
-SAIA DA MINHA CASA!-
Beatriz conseguiu se desviar da primeira investida de
Pedro, que continuava gritando coisas indecifráveis. O corpo de Pedro estava pálido e cheio de bolhas. Seus olhos antes azuis, estavam negros. Ele estava louco ou
doente, ou os dois. Beatriz correu em direção ao quarto onde anteriormente Pedro
havia saído. No chão, seu pai estava desmaiado, um fino fio de sangue escorria
pela sua cabeça.
Antes de poder fazer alguma coisa, ela foi empurrada para
o lado e chocou-se com uma escrivaninha que ficava ao lado da cama. A faca que
carregava na mão esquerda foi jogada para longe. Pedro e Beatriz olharam para a
faca. Pedro correu para pegar a faca, mas Beatriz mesmo atordoada chegou antes.
Pedro salta em direção de Beatriz. Erro fatal de Pedro,
os gritos e os movimentos cessaram. A faca havia acertado o coração. O silencio
voltou novamente. Beatriz ainda estava por baixo segurando a faca que separava
ela da pessoa que havia matado.
-Ele... estava doente- Disse João ainda atordoado, pela
pancada que havia levado na cabeça. Beatriz ajudou seu pai a levantar, apoiando-se
João disse:
-Vamos para casa filha-
Em algum lugar do Litoral do Estado
do Rio Grande do Sul:
Horizontina,
dezenove de fevereiro de 2038.
Era mais um dia anormal daquele inferno que começara a
um pouco mais de um mês. Um reduzido regimento do exército brasileiro que estava
realizando exercícios próximos do litoral estavam procurando algum pelotão, quartel
ou autoridade que pudessem lhe informar algo.
Fazia uma semana que encontraram uma pessoa que havia
dito que todos estavam descendo o Estado, e que o governo havia sido transferido
para uma cidade pequena na região. Enquanto o regimento descia o Estado, um rastro
de fumaça se formava no céu gaúcho. O objeto passou voando e aterrizou uns 50 metros da linha da praia.
Um compartimento abria daquele objeto. De la saiu um
homem gritando algo em russo.
( -> Capítulo 3: Dez anos de guerra -Parte 1 )
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